Inquilinos no nosso Portugal?

Os portugueses estão em desvantagem, o que agrava a propensão ao populismo e o sentimento de que o esforço, a qualificação, o propôr-se a ir mais além não compensam.

Não está Portugal cada vez mais na condição de um país adiado, do deixa andar, sem enquadramento adequado e ações consistentes com as necessidades a que está e virá a estar exposto?

Paulatinamente, a propriedade ou a exploração de infraestruturas públicas, como as aeroportuárias, rodoviárias, marítimas, de energia e de telecomunicações é detida por investidores estrangeiros, que detêm igualmente posições dominantes no setor financeiro, nos principais shopping centers de norte a sul e na exploração de terras férteis. Em paralelo, o preço proibitivo da habitação impõe à maioria dos portugueses a impossibilidade de viverem na sua zona nativa, e a migração para escolhas ditas de second ou third best.

Não resultará tudo isto de vivermos excessivamente à mercê do que a vida dá, sem uma ideia de futuro traduzida numa agenda nacional, estável na aspiração por uma vida mais compensadora, implementada por uma governação e políticas públicas convergentes com os anseios da população e dos parceiros sociais, apoiadas por controlo e fiscalização efetivos, em sintonia com as prioridades nacionais, de modo a zelar solidariamente pelos interesses de Portugal e dos portugueses, num mundo em transformação acelerada?

A meu ver as manifestações dos professores ou sobre os maus-tratos a animais ultrapassaram os seus temas, reforçando-me a convicção de que os confinamentos reabilitaram socialmente o apego à liberdade, as manifestação de massas e a intervenção cívica - cada vez mais hipp, mesmo para os insuspeitos Dâmasos Salcedes. Distintivo desta intervenção é o crescente afastamento dos cânones da mediação partidária ou sindical tradicionais, na expressão do inconformismo com a tibieza nacional de que são hediondas evidências os níveis de pobreza, baixos rendimentos ou os desmandos na coisa pública.

É sintomático que a rua se generalize como a mediadora do conflito, mas não pode deixar de se realçar a perigosidade, nem de se atentar na causa: a crescente inadequação do processo de estar em relação de uma parte do pessoal político e das lideranças vigentes, de que é exemplo emblemático a tentativa de aguamento em “casos e casinhos” das irregularidades financeiras, nepotismo, portas giratórias e impunidade, que a imprensa corajosamente expôs - não obstante a precariedade laboral que assola o setor. E que suscitaram vivo repúdio na opinião pública, entendido lucidamente pelo Presidente da República como sendo uma “realidade nova, com quem quer que seja, o A, o B, o C ou o D, do escrutínio que a opinião pública hoje está a fazer em relação aos governantes em todos os países do mundo”.

Em conexão com esta dinâmica social é crítico ponderar, igualmente, que o egoísmo, a radicalização e a violência entranham-se progressivamente no quotidiano. Basta ver o disparo no tráfico e consumo de drogas e de álcool, as transgressões ao trânsito, a selvajaria na circulação de veículos nos passeios e do contramão, o ruído ou o comentariado em que a verve pulula, muito porque a empatia, vai prevalecendo sobre a racionalidade, mesmo na imprensa dita de referência.

É crítico, igualmente, ponderar que as instituições relacionais, como a vizinhança, evidenciam uma desidentificação que alastrou nos bairros um sentimento de desvazio (parafraseando uma vizinha), estando, por exemplo, o centro histórico de Lisboa quase deserto de vizinhos, preenchido por uma amálgama, que progressivamente apaga do imaginário nacional âncoras emocionais de referência, caldeando alienação e trauma.

Há uma parte positiva no que mencionei que é o ter revigorado uma aspiração de regeneração, estabilidade e melhoria de vida, sinalizada nas eleições de 2019, que colocaram fora da casca um novo país institucional, cuja linguagem foi recebida com desdém pelos partidos e intelligentsia com forais, que enfrentam agora o definhamento, se não se adaptarem com urgência - como o CDS já faz notar.

Neste processo a insensata política do BCE de controlo da inflação, pela dor do custo de vida que imporá à população, funcionará, de par com outros fatores, como um acelerador do mal-estar social e do agravamento das desigualdades sociais e territoriais, assim intensificando a trajetória de dependência portuguesa do investimento estrangeiro e do turismo. Intensificará igualmente a pressão orçamental, a qual desaguará na crónica instrumentalização do sistema fiscal à obtenção de mais receita, em especial por via do aumento da pressão sobre o trabalho, o pequeno e médio empresário, os combustíveis e os automóveis, em gritante contraste com a tributação preferencial prevista para os investidores não residentes fiscais, na hora da exportação, para os seus países, dos lucros, dividendos, juros, royalties e mais-valias obtidas com fonte em território português, em resultado do legítimo aproveitamento das oportunidades de que se tornaram proprietários.

Inegavelmente os portugueses estão em desvantagem, o que agrava a propensão ao populismo e o sentimento de que o esforço, a qualificação profissional, a assunção de maiores responsabilidades, o propor-se a ir mais além não compensam. Por quanto tempo mais queremos um país adiado num marasmo governativo, que diariamente nos vai diluindo na condição de inquilinos, no nosso Portugal?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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