Podem-se contar sob a pele todas as vértebras da frágil coluna vertebral da criança de quatro anos do povo indígena Yanomami que está ao colo do pai, numa rede montada no hospital Pediátrico de Santo António, em Boa Vista, no estado brasileiro de Roraima. Está gravemente desnutrida.

Agora, pelo menos, está a receber tratamento – mas estão a ser descobertas muitas mais como ela, e também adultos doentes, na Terra Indígena Yanomami, no Brasil, que passou por um inferno durante os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro. Por abandono, sem cuidados de saúde, e pela invasão (incentivada pelo Presidente) de garimpeiros, que trazem doenças, violência e perturbações sociais.

Era uma tragédia que vinha sendo anunciada por múltiplas vozes. Estima-se que haja pelo menos 20 mil garimpeiros em busca de ouro na Terra Indígena Yanomami, onde vivem 35 mil pessoas. O território deste povo foi demarcado há 30 anos, e a actividade mineira lá é proibida, mas isso não tem impedido a mineração ilegal.

Os garimpeiros trazem desmatamento e poluição da floresta amazónica – vários rios e peixes que estão contaminados por mercúrio, e quem bebe a água e se alimenta destes peixes fica doente. Mas trazem também doenças respiratórias, ou a malária – entre 2018, quando disparou o número de garimpeiros ilegais no território, e 2021, os casos desta doença transmitida por um mosquito, que pode ser contraída múltiplas vezes, aumentaram 105%, segundo números agora divulgados pelo Governo brasileiro. 

Só em 2022, segundo o Governo brasileiro, 99 crianças Yanomami morreram – a maioria por desnutrição, pneumonia e diarreia, que são doenças evitáveis, diz o site G1. A estimativa é que, em todo o território, 570 crianças tenham morrido nos últimos quatro anos.

Mas a crise pode ser ainda pior, pois o garimpo ilegal e a acção do crime organizado têm impedido a chegada das autoridades a áreas mais isoladas da Terra Indígena Yanomami. Este território no Norte do Brasil é tão remoto, que só por rio ou avião se costuma chegar lá.

O Governo do Presidente Lula da Silva estabeleceu esta semana uma zona de restrição aérea para controlar os aviões que têm acesso à Terra Indígena Yanomami. O objectivo é combater o garimpo na região, impedindo a entrada de pessoas não autorizadas e actividades de reabastecimento.

Está a ser preparada uma força de várias agências governamentais, apoiadas pelos militares, para entrar nestes territórios que têm estado inacessíveis para a prestação de cuidados de saúde ou ajuda alimentar, salienta a Reuters.

"Vamos tomar todas as atitudes para tirar os garimpeiros ilegais e cuidar dos yanomamis. Não vai mais ter sobrevoo, barcaças com combustíveis", declarou o Presidente, citado pelo jornal Folha de São Paulo.

Pensamos na Amazónia como uma floresta que pode morrer, por causa da desflorestação, que Bolsonaro deixou avançar a um ritmo galopante durante os últimos quatro anos. A maior floresta tropical do mundo está a chegar a um ponto de não-retorno, a partir do qual não consegue recuperar. 

Mas lá vivem 30 milhões de pessoas, que fazem também parte da vida da floresta, como os povos indígenas. É por isso que o Governo de Lula da Silva está a ameaçar avançar com uma acusação de genocídio contra Bolsonaro: devido ao estado a que a povo Yanomami chegou, por falta de cuidados de saúde e a licença tácita do Governo anterior à invasão do seu território por garimpeiros. Esta foi a história mais trágica que nos fez parar numa semana em que o mundo continuou a girar.