Após processo de Bruxelas, Portugal reconhece falhas e vai reformular directiva de impacte ambiental

Comissão Europeia diz que esforços de Portugal na transposição da directiva foram “insatisfatórios e insuficientes”. Governo prepara um pacote legislativo para dar resposta às exigências de Bruxelas.

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Comissão Europeia pediu a Portugal que melhore as regras nacionais para a avaliação de impacte ambiental de projectos públicos e privados Nuno Ferreira Santos

A Comissão Europeia decidiu avançar, na última quinta-feira, com uma acção contra Portugal no Tribunal de Justiça da União Europeia devido à transposição incorrecta da directiva comunitária relativa à Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).

“Portugal não transpôs correctamente determinadas disposições da directiva alterada para o direito nacional. A título de exemplo, a redacção das disposições nacionais isenta de avaliação ambiental mais projectos do que o permitido pela directiva”, refere o comunicado da Comissão Europeia.

Portugal admite que são necessários ajustes na formulação do diploma que enquadra a AIA. “A República Portuguesa tem estado em diálogo com a Comissão e, em parte, reconhece a necessidade de introdução de ajustes na redacção do Decreto-Lei n.º 151-B/2013 de 31 de Outubro, que transpõe da Directiva 2011/92/UE e define o processo de avaliação de impacto ambiental”, refere o gabinete de imprensa do Ministério do Ambiente e da Acção Climática​, numa resposta enviada ao PÚBLICO por e-mail.

Nesse contexto, encontrava-se em preparação uma iniciativa legislativa de alteração do Decreto-Lei n.º 151-B/2013 de 31 de Outubro, no momento em que ocorreu o termo da XIV legislatura. Por esse motivo, o procedimento legislativo caducou. O actual Governo encontra-se a preparar um pacote legislativo onde dará resposta às questões suscitadas pela Comissão Europeia”, esclarece no mesmo documento a fonte da tutela.

Esforços “insatisfatórios”

Bruxelas já tinha enviado uma carta de notificação a Lisboa em Outubro de 2019, solicitando a regularização desta situação. Seguiu-se à missiva, em Novembro de 2021, um “parecer fundamentado”, no qual a comissão pedia a Portugal para melhorar as regras nacionais para a AIA de projectos públicos e privados, nomeadamente a resolução das falhas na transposição dessa directiva para a lei nacional, num prazo de dois meses. Caso contrário, a Comissão poderia avançar com uma acção no tribunal europeu – o que, de facto, acabou por acontecer na quinta-feira.

“As autoridades portuguesas não responderam cabalmente às questões suscitadas. A Comissão considera que os esforços das autoridades portuguesas foram até à data insatisfatórios e insuficientes, tendo, por conseguinte, decidido intentar uma acção contra Portugal”, lê-se na nota recentemente divulgada pela Comissão Europeia.

No documento enviado em 2021, refere-se ainda que a lei portuguesa, em alguns casos, permite que uma ausência de decisão da entidade responsável pela AIA – neste caso, a Agência Portuguesa do Ambiente – signifique que o projecto não será sujeito a uma avaliação ambiental.

“No entanto, a Directiva estabelece um procedimento específico para garantir que a autoridade competente faça a sua determinação à luz da informação disponível e dos critérios de selecção. Uma determinação de triagem negativa tácita, portanto, vai contra o objectivo da Directiva AIA. Além disso, qualquer decisão sobre a ausência de rastreio deve ser tornada pública e justificada, uma obrigação que não seria cumprida nesses casos”, refere o documento.

Este processo soma-se a outras 14 infracções ambientais cometidas por Portugal, de acordo com um mapa interactivo disponibilizado por Bruxelas. A lista é liderada pela Bélgica e Espanha, cada país com 22 infracções activas (ou seja, ainda por resolver), seguidos pela França e Grécia (19).

Simplex ambiental promulgado

“Obviamente achamos que a Comissão tem toda a razão. A AIA é um instrumento fundamental e Portugal tem de garantir a sua integridade”, afirmou ao PÚBLICO Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero. A entidade já pediu ao Ministério do Ambiente e da Acção Climática a disponibilização do tal parecer fundamentado que Bruxelas enviou ao Estado português, mas, até ao momento, não teve acesso ao documento.

O objectivo da Zero é verificar se no chamado “Simplex ambiental– Decreto-lei que foi promulgado pela Presidência da República na quinta-feira, dia 26 de Janeiro – estão atendidas todas as questões levantadas por Bruxelas. O novo diploma do Governo debruça-se sobre a reforma e simplificação dos licenciamentos ambientais, reduzindo a necessidade de avaliações de impacto ambiental. Quando foi anunciado, os ambientalistas consideraram-na ​escandalosa.

“A promulgação do Simplex Ambiental por Marcelo Rebelo de Sousa foi para nós uma grande desilusão, julgávamos que o Presidente tivesse maior sensibilidade ambiental. Tememos um agravar da situação”, refere agora Francisco Ferreira.

O que é a Directiva AIA?

Em causa está uma directiva de 2011, alterada três anos depois pela Directiva 2014/52/EU, que não foi devidamente transposta para a lei portuguesa. Segundo a Directiva AIA – como é conhecida –, os grandes empreendimentos ou projectos de construção que venham a ter lugar na União Europeia devem, antes de tudo, ser avaliados por forma a acautelar possíveis impactes ambientais. Este estudo deve ser obrigatoriamente feito antes de as obras começarem.

As exigências relativas à AIA tem como objectivo garantir transparência durante todos os processos de decisão sobre projectos públicos e privados, salvaguardando a protecção de ecossistemas e paisagens naturais.

“A Directiva AIA assegura que as preocupações ambientais são tidas em conta desde o início dos novos projectos de construção ou desenvolvimento, incluindo as suas alterações ou extensões. Além disso, a directiva permite uma participação activa do público no procedimento AIA”, recorda o comunicado.

Portugal, a exemplo de todos os demais Estados-Membros, teve três anos para transpor a directiva alterada para o direito nacional. Bruxelas afirma que facultou diversos documentos e uma lista pormenorizada para tornar mais simples o trabalho de transposição. Ainda assim, a adopção deste instrumento para a lei portuguesa apresenta deficiências.

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