Este Janeiro foi frio, mas há dois anos terá sido pior

Climatóloga do IPMA diz que esta vaga de frio ainda não teve “nada de excepcional”. Mas as ondas de frio estão a ficar cada vez menos frequentes em Portugal e isso é um dado relevante.

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O ano 2021 começou com "mais de três semanas" de frio persistente; já a vaga de frio deste ano veio após um período com temperaturas acima do normal PAULO PIMENTA

Janeiro está a acabar com um segundo período de vários dias consecutivos com temperaturas baixas (o primeiro, menos expressivo do que o actual, observou-se logo nos primeiros dias do ano). Pelo meio, tivemos dias “amenos, com temperaturas acima do normal”, aponta o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Portanto, o frio que temos estado a sentir​ ainda não se revelou tão persistente como, por exemplo, aquele que marcou Janeiro de 2021, que em Portugal foi o quarto Janeiro mais frio dos últimos 20 anos.

O IPMA ainda não fez o balanço meteorológico deste mês, mas Vanda Pires, do departamento de climatologia do IPMA adianta ao PÚBLICO que, “à partida, Janeiro de 2021 foi mais frio”. A actual vaga de frio ainda não teve “nada de excepcional”, continua. Mais anormal, diz, é o facto de as ondas de frio no nosso território estarem a tornar-se cada vez menos frequentes. “Nos últimos 20 a 30 anos, temos tido mais situações associadas ao calor. Estamos a ter menos dias de frio por ano.”

Antes de olharmos para o historial das últimas décadas, olhemos, no entanto, para o mês que está a acabar. “Entre os dias 2 e 6, as temperaturas estiveram abaixo do normal, mas não se registaram situações de onda de frio. Para isso acontecer, temos de ter seis dias [consecutivos] em que as temperaturas mínimas são inferiores em cinco graus [Celsius] aos valores normais para a altura do ano. Não se chegou a isso tudo: foram só quatro dias, cinco no máximo”, diz Vanda Pires.

Nos dias 8 e 9, continua, houve uma ligeira subida dos termómetros, “associada à precipitação”, e depois os dias seguintes (até 17 de Janeiro) foram “amenos”, com “temperaturas acima do normal”. “Não houve este desconforto térmico que está a haver agora.”

O actual período de frio começou a 22 de Janeiro — e vai manter-se pelo menos até aos primeiros dias de Fevereiro, de acordo com o IPMA. “Registou-se até à data uma onda de frio em cerca de 15% das estações meteorológicas” do país, espalhadas pelas regiões Nordeste, litoral Centro e litoral Sul. Ainda assim, esta situação “não é algo fora do normal, não é assim tão extraordinária”, entende Vanda Pires.

Entre o Natal de 2020 e o início da segunda quinzena do mês seguinte, Janeiro de 2021, tivemos um episódio de tempo frio “bastante prolongado”, lembra a climatóloga. “Foi entre 24 de Dezembro de 2020 e, salvo erro, 18 de Janeiro de 2021.” “Coincidiu com um dos picos” de infecção por covid-19 e a altura do início do segundo confinamento geral em Portugal.

“Foram mais de três semanas” de um frio bastante relevante e “generalizado”. Num terço das estações meteorológicas do IPMA, “tivemos mais de dez dias seguidos com temperaturas negativas”, em particular nas regiões interior Norte e Centro. O desconforto térmico provocado pelas temperaturas baixas foi, em alguns dias, “potenciado” pela intensidade do vento.

Das situações de frio mais recentes em Portugal, esta, entre o final de 2020 e o começo de 2021, foi “a mais extraordinária”, analisa Vanda Pires, salientando que, por comparação, a actual vaga de frio tem sido um pouco mais branda.

Episódios de frio prolongado começam a ser menos comuns

Se olharmos para trás, em que anos encontramos os maiores episódios de frio em Portugal? Vanda Pires começa por frisar que, nos últimos 40 anos, e devido às alterações climáticas, as ondas de frio têm ocorrido com menos frequência. “Quando ocorrem”, observa, “as situações de frio mais persistente ocorrem sobretudo no mês de Janeiro”.

As ondas de frio em Portugal, continua a especialista, registaram-se com mais frequência “nas décadas de 1940, 1950 e 1970, e particularmente nas regiões interior Norte e Centro”. Consultando os registos do IPMA, Vanda Pires destaca, por exemplo, Fevereiro de 1956. “Os valores da temperatura do ar (máxima e mínima) foram muito baixos” durante todo o mês, sendo que, nas zonas montanhosas das regiões Norte e Centro, as mínimas estiveram sempre abaixo dos zero graus Celsius.

Em Fevereiro de 1983 também houve uma onda de frio significativa. “Teve a duração máxima de 11 dias no Porto” e, dada a sua abrangência territorial, ocorreu também em Faro, “situação excepcional para esta região”. “A onda de frio de 1983 pode ser considerada como umas das ondas de frio com maior duração temporal e espacial para o mês de Fevereiro”, diz Vanda Pires. Neste ano, muitos se lembram, de um marcante nevão na zona do Porto (e não só).

Da década de 1980 para a frente, os episódios de frio prolongado começam a ficar menos comuns, “mais esporádicos”. Na década de 1990, por exemplo, “apenas em Janeiro de 1992 se registou uma onda de frio, com a duração de seis dias”, diz a climatóloga do IPMA.

Devido às alterações climáticas, o “número de dias frios por ano” está a descer, reforça a especialista, que refere: “Só agora é que tivemos este período de frio no nosso Outono/Inverno. Novembro foi um mês com temperaturas elevadas para a altura do ano.” O mês seguinte seguiu as suas pisadas, tendo inclusivamente ficado para a história como o Dezembro mais quente em Portugal continental desde que há registos. “Até mesmo Janeiro teve dias amenos, naquele período entre as temperaturas baixas dos primeiros dias” e a actual vaga de frio.

Vanda Pires elenca apenas dois episódios de frio mais relevantes na década de 2010. O primeiro data de Janeiro de 2012, quando a estação meteorológica de Bragança passou 28 dias a registar mínimas negativas. “Todos sabemos que Bragança é uma região fria, mas passar o mês praticamente todo com mínimas abaixo dos zero graus já não é assim tão normal. Há aqui um nível de excepcionalidade, sem dúvida.”

Não foi apenas em Bragança que então fez bastante frio: em “muitas estações” meteorológicas do interior Norte e do Centro, a temperatura mínima do ar esteve “mais de 15 dias com valores negativos”.

O segundo episódio relevante aconteceu na segunda quinzena de Janeiro de 2017, quando uma massa de ar muito frio e seco provocou uma onda de frio, que ocorreu em alguns locais das regiões Centro e litoral Sul. Em alguns locais do litoral, foram registados “valores absolutos da temperatura mínima”, diz Vanda Pires.

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