Pellets de plástico são “pesadelo ambiental” nas praias francesas

Grandes quantidades de microesferas de plástico foram dar à costa francesa nas últimas semanas provocando um problema ambiental. Em Portugal, este material pode ser encontrado nas praias.

Foto
As microesferas de plástico encontram-se regularmente nas praias Ana Pêgo/Plasticus maritimus

Desde há algumas semanas que as praias francesas têm sido atingidas por quantidades anormais de pellets de plástico, um granulado minúsculo que é a matéria-prima para se produzir objectos de plástico. O Estado francês já anunciou que irá colocar uma acção judicial, adianta a AFP.

“O Estado está ao lado das associações [ambientalistas], e anuncio-vos que estamos a entrar com uma acção judicial”, adianta à AFP Christophe Béchu, ministro da Transição Ecológica, acrescentando que os pellets são um “pesadelo ambiental”.

No último sábado, mais de cem pessoas participaram numa acção de limpeza destes pedacinhos de plástico numa praia de Pornic, situado no departamento de Loire Atlantique, na costa oeste da França. Os pellets atingiram praias em Finistère, Sables d’Olonne e Noirmoutier, de acordo com um comunicado da Fundação Surfrider, uma organização não-governamental ambiental, fundada nos Estados Unidos em 1984, que defende as zonas costeiras da poluição e das alterações climáticas.

Microesferas encontradas numa praia portuguesa Ana Pêgo/Plasticus maritimus
Os pellets são apenas uma parcela do plástico encontrado nas praias Ana Pêgo/Plasticus maritimus
Fotogaleria
Microesferas encontradas numa praia portuguesa Ana Pêgo/Plasticus maritimus

“Em Pornic, neste último fim-de-semana, [a poluição] era muito impressionante a nível visual”, refere no comunicado Jean-François Grandsart, que está à frente do braço local da fundação, e que lançou a acção de limpeza da praia. “Esta poluição é de uma escala sem precedentes no departamento.”

A acção durou duas horas, de acordo com a AFP. A recente tempestade Gerard fez com que as microesferas de plástico, de cor branca e com menos de cinco milímetros de tamanho, tivessem sido misturadas com a areia e a água, dificultando a recolha daquele lixo. Mesmo assim, pessoas de todas as idades foram apanhando as pequenas microesferas.

“É mais simbólico do que outra coisa: não acredito que iremos encher o recipiente inteiro!”, afirma à AFP Annick, uma reformada que tinha enchido o fundo de um copo de iogurte com dezenas de microesferas.

Toneladas de microesferas perdidas

Todos os anos, a União Europeia perde entre 16.888 e 167.431 toneladas destes pellets para o ambiente, de acordo com um relatório de 2018 para a direcção-geral de Ambiente da Comissão Europeia, que reunia medidas para evitar a libertação de microplásticos no ambiente.

Depois de os pellets serem produzidos, o material é transportado para as fábricas onde é derretido para se fazerem os objectos de plástico. Durante o transporte do granulado, por comboio, em contentores nos navios ou em camiões, e nos momentos de carga e descarga, há material que pode ser vertido e perdido no ambiente.

“É um material muito barato”, diz ao PÚBLICO Paula Sobral, bióloga do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, que investiga o impacto dos microplásticos nos sistemas marinhos. “Essas perdas de pellets ficam no ambiente. Há uma chuvada e elas são escoadas para os rios e para os oceanos.”

Foto
Em 2012, as praias de Hong Kong também foram invadidas pelas microesferas Tyrone Siu/Reuters

No caso do material que tem atingido as praias francesas, pensa-se que seja de contentores transportados em navios. “Poderá ser que um ou mais contentores tenham sido perdidos no Atlântico Norte e estejam a deitar a sua carga para as praias adjacentes, ou terá sido a libertação de material de um contentor que já se perdeu há algum tempo”, explica Cristina Barreau, responsável por estudar microplásticos na Surfrider. “Também poderá ter sido originado por um acidente industrial mal gerido que levou à dispersão de pellets no ambiente”, acrescenta, citada no comunicado.

Tanto o prefeito de Pornic, Jean-Michel Brard, como o prefeito de Sables d’Olonne, Yannick Moreau, e a presidente da região Pays de la Loire, Christelle Morançais, apresentaram uma queixa contra pessoa desconhecida, no contexto deste episódio de poluição.

Além da poluição directa nas praias e no mar, os pellets, tal como o plástico em geral, têm potencial para entrar na cadeia alimentar. “Inicialmente, o seu tamanho grande e formato esférico ou cilíndrico limitará a propensão para serem consumidos e causarem toxicidade. Mas, à medida que os pellets se vão tornando gradualmente mais pequenos, devido à abrasão que sofrem no leito dos rios ou nas zonas costeiras, o seu potencial para serem ingeridos aumenta”, lê-se no relatório para a Comissão Europeia, que adianta que os pellets são encontrados frequentemente nas praias e também em seres vivos como as aves.

Paula Sobral alerta para o perigo desta ingestão. “Sabemos que esses polímeros absorvem à superfície poluentes que estão no ambiente. Todos têm toxicidade e muitos são disruptores endócrinos”, alerta a investigadora, que é também presidente da Associação Portuguesa do Lixo Marinho. “Os plásticos servem como vectores” para a entrada dessas substâncias nos organismos, explica a cientista. Além disso, muitas vezes são produzidos com aditivos, tornando-se em mais uma potencial fonte de toxicidade.

Alimento de gaivotas portuguesas

Em Portugal, é comum encontrar-se as microesferas de plástico nas praias. Em 2016, Ana Pêgo foi mais longe e descobriu regurgitações de gaivotas com pellets nas praias da Duquesa e da Cresmina, em Cascais.

Regurgitações de gaivotas com microesferas de plástico Ana Pêgo/Plasticus maritimus
Regurgitações de gaivotas com microesferas de plástico Ana Pêgo/Plasticus maritimus
Fotogaleria
Regurgitações de gaivotas com microesferas de plástico Ana Pêgo/Plasticus maritimus

A bióloga marinha dedica-se a projectos de educação ambiental e em 2018 publicou o livro Plasticus Maritimus, direccionado aos jovens. Os vestígios que encontrou e fotografou provaram “que aquelas aves estavam a alimentar-se de microplásticos e de pellets, mas têm a capacidade de os regurgitar”, refere a bióloga ao PÚBLICO. Ou seja, conseguem expelir os alimentos (e também os objectos) que não digerem.

Ana Pêgo não tem conhecimento de que haja quantidades fora do comum de pellets nas praias portuguesas. “Não faço ideia se esses pellets de França já cá estão a chegar”, diz a bióloga. Mas recorda que este não é um caso único, referindo-se a um episódio em 2012, quando 150 toneladas deste tipo de plástico foram parar às praias de Hong Kong. “Eram carradas, era assustador.”

Por sua vez, Paula Sobral sublinha que normalmente os pellets são só uma parte do plástico que se pode encontrar nas praias. “Se pensarmos em todos os objectos de plástico encontrados nas praias, a quantidade é astronómica, os pellets são só mais uns. A não ser que aconteça um caso como aconteceu na França”, diz, acrescentando que não tem informação de que tenha chegado uma nova vaga de pellets à costa portuguesa. “Se vierem aqui ter, as pessoas vão perceber, sobretudo se for em quantidades grandes.”

Sugerir correcção
Ler 7 comentários