Os bancos não podem ter mãos livres

O tempo de os portugueses ajudarem os bancos (aparentemente) já lá vai. Não devia ser agora o tempo de os bancos ajudarem os portugueses?

Os portugueses apoiaram financeiramente os bancos, entre 2012 e 2021, em 20 mil milhões de euros. Nestes dez anos, as comissões bancárias subiram 50%, enquanto os preços subiram apenas 8%. Nesta década, a banca encerrou balcões e reduziu o número de funcionários, começou a cobrar por utilizar o homebanking e outras aplicações digitais como o Revolut e o MB Way. Em 2019, a Autoridade da Concorrência impôs uma coima de 225 milhões à banca por concertação ilícita. Será esta a mão invisível dos mercados a funcionar?

Os últimos anos foram também anos de consolidação do setor financeiro. O Eurobic integrou o BPN. O Banif e Banco Popular foram vendidos ao Santander e o BPI ao CaixaBank. O BES virou Novo Banco e a CGD foi recapitalizada estando ambos num caminho sustentável. O tempo de os portugueses ajudarem os bancos (aparentemente) já lá vai. Não devia ser agora o tempo de os bancos ajudarem os portugueses?

Durante a pandemia, o Governo criou moratórias que foram em Portugal das mais abrangentes e participadas em toda a Europa. Em 2020, o PS coordenou o Grupo de Trabalho das Comissões Bancárias, que produziu as Leis n.º 53 e 57/2020, de 28 de agosto. Exigindo que todas as comissões sejam proporcionais e razoáveis, proibiu-se as comissões pelo processamento de prestações, pela análise da renegociação e pelo distrate ou documento que extinga a garantia real, e limitaram-se as comissões pela emissão de declarações de dívida e pela utilização do MB Way.

Voltados três anos, os bancos já contornaram a lei para cobrarem pelos distrates – cobram despesas de reconhecimento de assinaturas por advogados quando podiam fazê-lo gratuitamente numa conservatória. Perante um regime extraordinário para renegociar os créditos no contexto da subida das taxas de juro, inventam agora motivos para o impedir, dizendo que a pessoa já não tem idade ou que tem de comprar outros produtos. Já as inovações tecnológicas continuam a ser discriminadas, considerando o carregamento imediato do Revolut equivalente ao adiantamento de dinheiro a crédito. Cada uma destas situações é imoral e será proibida pelo novo projeto de lei do PS, que será debatido e votado no próximo dia 20 de janeiro.

É preciso, porém, ir mais longe. Representando as transferências hoje 58% dos instrumentos de pagamento utilizados em Portugal em 2021, quisemos duplicar o número de transferências incluídas gratuitamente nos serviços mínimos bancários. Com este novo projeto de lei, asseguramos, ainda, a gratuitidade das alterações de titularidade no caso de morte, inserção ou remoção de menores, de maiores acompanhados ou de insolventes.

Mais significativamente, passará a haver uma única comissão antes da assinatura do contrato, além da avaliação do imóvel. A avaliação passará a ser portável para outro banco no prazo de seis meses da sua realização, assegurando que o banco a quiser recusar, pagará a outra. Já quanto às vendas facultativas associadas – desde cartões com montantes mínimos de despesa a seguros – os bancos terão de dizer quanto é que cada produto representa em poupança na prestação. Essa informação visa quebrar a lógica de “pacote” que aprisiona muitos consumidores a comprarem produtos que não precisam e que não compensam financeiramente.

Com este projeto de lei, pomos um travão nas comissões excessivas criadas pelos bancos. Porque se os últimos dez anos nos dizem alguma coisa é que as mãos invisíveis dos bancos são bem visíveis nos bolsos dos portugueses e, por isso mesmo, os bancos não podem ter mãos livres.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 2 comentários