Sala de aula sem paredes

Tudo se transforma num processo de normalização e rutura, porque não há nada mais transformador que o conhecimento, constituído na pluralidade de saberes em permanente construção.

Como se constata no ensaio de Marshall McLuhan a Sala de Aula sem Paredes, publicado em 1957, a tecnologia é sempre um tremendo desafio para a educação e para as escolas, alterando, de forma significativa, conceções e modos de ensinar e aprender.

É inquestionável que a mudança na educação tem sido realizada a partir da tecnologia, que não tem parado de evoluir, umas vezes mais lentamente, outras de forma mais célere, como é o caso das tecnologias digitais, com a capacidade de exponenciar os recursos educativos, nomeadamente do manual digital, que será definitivo, em 2026, nas escolas portuguesas.

Prevê-se, assim, que os laboratórios digitais a funcionar nas escolas serão preponderantes na integração das atividades de aprendizagem diversas e personalizadas. Maior será a mudança com as tecnologias de metaverso, cujo denominador comum das suas definições remete para alterações profundas na sociedade e na educação.

Cada geração tem a tarefa de se tornar numa ponte do conhecimento, criando, sustentando e ampliando o que é dado conhecer, num processo acumulativo que traduz a essência da cultura, seja a da transmissão oral, seja a da observação da experiência, seja, ainda, a do livro impresso e a das tecnologias digitais.

Tudo se transforma num processo de normalização e rutura, porque não há nada mais transformador que o conhecimento, constituído na pluralidade de saberes em permanente construção.

Para o téorico da comunicação McLuhan, a Sala de Aula sem Paredes incorpora a mudança em curso, bem como alimenta a compreensão das novas necessidades, esclarecendo que "antes da imprensa escrita, os jovens aprenderam ouvindo, observando, fazendo. Assim, até há pouco tempo, as nossas próprias crianças rurais aprendiam a língua e as competências dos mais velhos".

A história dos meios audiovisuais na escola ainda não cumpriu um século e já novos desafios são colocados, levando à reimaginação destes através da conetividade, da digitalização, da dataficação, pois a Internet é, sem dúvida, um dos recursos que mais têm contribuído para derrubar as paredes das escolas e das salas de aula e abrir, ao mesmo tempo, infinitas possibilidades para outros espaços de aprendizagem.

A produção de conteúdos que são a base do conhecimento escolar é inundada pela informação, dizendo o autor canadiano que, na década de 1950, a enorme quantidade de informação veiculada pelos meios de comunicação excedia de longe a quantidade de informação veiculada pelos textos escolares, tal como presentemente o fazem as tecnologias digitais, e o farão muito mais as tecnologias de metaverso.

Porém, quando fala da impossibilidade de se evitar a mudança, que corre de forma inovadora nas ideias e nas práticas educativas das salas de aula, McLuhan aborda o poder das novas linguagens com novos poderes de expressão e não propriamente os novos media como artifícios mecânicos para criar mundos de ilusão.

E quem diz os media, dirá também as salas de aula do futuro que, em muitos espaços educativos, dos ensinos superior e não superior, se transformaram em lugares obsoletos, tal é a força de mudança da tecnologia, como é facilmente comprovado pela inutilidade a que foram votados os quadros interativos, de grande furor pedagógico há poucos anos.

Se o livro, como afirma McLuhan, foi o produto de uma produção em massa, o livro didático virou âncora do estudo individual, encerrando a aprendizagem nas paredes da escola e criando uma linguagem didática própria, ou uma estratégica cultural básica, para o ensino e para a aprendizagem, em que a relação pedagógica entre professor e aluno não é significativamente alterada, sobretudo se o professor se mantiver na magistralidade do ensino circunscrito ao currículo prescrito.

Assim, para além do manual, há outras artes e técnicas narrativas, como diz McLuhan, que poderiam ser convertidas num importante instrumento de trabalho para o professor, desde que o aluno seja desafiado a desenvolver o raciocínio e a faculdade de discriminação da experiência social, isto é, das experiências partilhadas numa perspetiva de integração de saberes e contextos diferenciados.

Uma sala de aula sem paredes não será, com efeito, senão uma escola aberta ao mundo, já que a capacidade de discriminar assuntos quotidianos de informação e conhecimento é a marca de uma pessoa educada, para sublinhar mais uma das suas ideias.

Por mais tecnologia que seja usada nas salas de aula, de escolas sem paredes, e por mais premente que se torne a necessidade de o aluno desenvolver competências de análise crítica do mundo, em contextos de informação trabalhada como fonte do conhecimento, a abertura da escola ao mundo constitui a base sólida de uma aprendizagem de compromisso, sendo discutível seguir os algoritmos de autoaprendizagem, em que o aluno vê erigidas à sua volta paredes robustas, sustentadas pelos pilares da eficiência e da personalização.

Estaríamos, neste caso, no Aprender à Medida que se Avança, um dos cenários identificados pela OCDE até 2040, baseando-se nos rápidos avanços da inteligência artificial, da realidade virtual e da Internet das Coisas, como é escrito no relatório De Volta para o Futuro da Educação. Quatro Cenários da OCDE para a Escolaridade, publicado em 2020.

Do mesmo modo, conforme a OCDE idealiza no citado cenário (o mais radical ao nível dos futuros da escola), as oportunidades de aprendizagem estariam disponíveis gratuitamente, marcando o declínio das estruturas curriculares estabelecidas e o desmantelamento do sistema escolar.

Porém, é discutível se o futuro será assim tão igual, como se o mercado não existisse e não fosse um fator preponderante na educação, como a mesma organização transnacional prevê no cenário Educação subcontratada, em que o sistema público definha e a aprendizagem é mais diversa, flexível e privada.

Mas é no cenário das Escolas como centros de aprendizagem que as ideias de McLuhan estão mais presentes, pois as escolas, bem como os processos de escolarização constantes do cenário Escolaridade alargada, sofrem uma alteração significativa, pelo que, como é referido pela OCDE, a abertura das paredes escolares liga as escolas às suas comunidades, favorecendo formas sempre mutáveis de aprendizagem, envolvimento cívico e inovação social. E far-se-á também alusão às portas e às janelas da escola reconfigurada, cada vez mais, pela era digital.

Passados tantos anos, o ensaio de McLuhan revela-se bastante pertinente no modo como são alteradas conceções educativas em torno da escola, como espaço enriquecedor da cultura humana.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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