As “utopias” das associações de pais

Pais e ou encarregados de educação não deixam de ser também cidadãos.

Sobretudo em momentos da Escola Pública como o actual, talvez muita gente (se) pergunte o que é e o que prossegue uma associação de pais e encarregados de educação (EE).

Talvez (se) interrogue qual é e qual deve ser, na e da Escola (em qualquer escola) e mesmo na e da sociedade, o real “horizonte” destas organizações quando, como a lei possibilita, “(…) visam a defesa e a promoção dos interesses dos seus associados em tudo quanto respeita à educação e ensino dos seus filhos e educandos …”.

Claro que, assim organizados, os pais e EE têm em vista nesta condição poderem participar formalmente na (re)construção dos documentos estruturantes (Projecto Educativo, Regulamento Interno, Plano de Actividades) e nos órgãos de administração e gestão da Escola, bem como noutras sedes e órgãos locais, municipais, regionais e até nacionais relacionados com a Educação.

E, evidentemente, para além dessas actividades (mais) formais, para além de acompanharem o percurso educativo, como alunos, dos seus filhos e ou educandos, esperam, por via associativa, resolver aquelas questões socioeducativas da (na) escola mais concretas e imediatas que, nessas condições, lhes dizem respeito: os livros e manuais, o material escolar, a alimentação, os transportes, a segurança, etc..

Mas os pais (no sentido lato) não deixam de ser pais por serem encarregados de educação. E, vice-versa, não deixam de ser encarregados de educação por serem (sobretudo) pais.

E, sendo pais e ou encarregados de educação, não deixam de ser também cidadãos.

Ora, nestas condições, é de presumir, de esperar, que tenham uma perspectiva mais social e educativamente alargada, exigente e projectada, do que esperam da (e na) Escola, também como esta (institucionalmente ) estruturante da sociedade. E não “só” aquela que, mais imediata e estritamente, respeita à condição do aluno seu filho e ou educando.

Neste sentido, o que, assim associativamente organizados, os pais e EE esperam na e da Escola é, sim, a qualidade do percurso educativo dos seus filhos e educandos do ponto de vista da sua instrução, diversificada e sólida. E também, não menos essencial até porque de tal indissociável, o seu crescimento e desenvolvimento físico, mental, emocional, cultural e cívico.

Mas, se ainda como pais e encarregados lhes não é declinável a sua condição de cidadãos, não podem deixar de esperar respostas sociais e políticas para o ensino, para a “Educação”, que, neste sentido, integral e integrado, abrangente e estratégico, sustente essas expectativas para a, na e da Escola.

Ora, nesta acepção, não basta às associações de pais e EE as respostas para aquelas habituais questões mais imediatas ou correntes (embora também delas não prescindam). Esperam tudo aquilo de que, na Escola (em qualquer escola), o ensino, a “Educação”, depende, no pressuposto, indiscutível de que o elemento essencial da Escola, a sua essência como realidade e como projecto humano e social, é o aluno. Por exemplo:

  • Suficiência, adequabilidade e qualidade de recursos materiais e competências, bem como modelos, processos e instrumentos de execução, organização e gestão que permitam aos alunos, com o que (e como) na escola se ensina, desenvolverem conhecimentos e cultura de progressiva abrangência, solidez e qualidade;
  • Equidade e inclusão socioeducativa tendo em conta a condição (física, mental, familiar, económica, social ou cultural) de cada aluno, assente em processos, métodos, instrumentos e meios socioeducativos e pedagógicos positivamente discriminatórios para cada um em função daquelas suas diferentes condições;
  • Rigor, disciplina e responsabilização comportamental, sim, mas, antes, como disso mais factores que resultados, afectividade, sociabilidade, compreensão, reconhecimento e estímulo;
  • Efectiva coerência socioeducativa relativamente a cada aluno, a cada turma, a toda a Escola, assente em adequadas sedes, organização, processos, instrumentos e oportunidades de articulação, entreajuda, coordenação e socialização de informação, conhecimentos, experiências, práticas e dificuldades;
  • Capacidade educativa (científica e pedagógica) dos professores, não só assente na sua formação académica e profissional mas, também, na capitalização e partilha colectiva da informação e experiências resultantes do seu exercício profissional quotidiano;
  • Garantias do trabalho digno dos professores, consubstanciadas nas de justiça social, possibilidade de evolução profissional, remunerações, organização do trabalho e, em geral, condições de trabalho, de forma a possibilitar-lhes e lhes ser mais justamente exigível uma relação socioeducativa coerente, integrada e consistente com e para os alunos;
  • Garantia de que a essência do trabalho dos professores – o ensino dos alunos - não é prejudicada por condicionalismos organizativos, administrativos, burocráticos ou financeiros nisso contraproducentes;
  • Trabalhadores não docentes (auxiliares e técnicos) suficientes, qualificados, dignamente remunerados e com estabilidade no emprego, de forma a que, com a devida organização e enquadramento, por exemplo, apoiem técnica, social, disciplinar e educativamente os alunos (também) fora da sala de aula, condição indispensável do seu comportamento e aproveitamento educativo em sala de aula;
  • Turmas de dimensão pedagógica e social equilibrada em função das sua características socioeducativas, de forma a que todos e cada um dos alunos possa (deva) ter a disponibilidade profissional e pessoal do(s) professor(es) de que a sua sempre muito singular condição pessoal, social e educativa carece;
  • Enfim, proximidade substantiva e efectiva entre alunos, pais e professores, de tal forma que um aluno, para ser aluno, não tenha que de algum modo “deixar de ser” plenamente filho e um filho, para ser filho, não tenha que de algum modo “deixar de ser” plenamente aluno.

Tudo isto? Mas é isto “tudo” que, na (da) Escola, as associações de pais querem? Ou, pelo menos – opinião de um pai e encarregado de educação –, podem / devem querer?

Talvez alguém diga que, para as associações de pais, isto é uma “utopia”. Talvez…

Mas, citando (ainda que não textualmente) o grande escritor sul-americano Eduardo Galeano, “a utopia está lá no horizonte (…). Por mais que caminhemos, jamais o alcançaremos. Mas serve para que não deixemos de para ele caminhar.”

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