Empresas da UE, Ucrânia e Rússia acusadas de “ajudar” ditadura birmanesa na repressão

Relatório de grupo de peritos em direitos humanos denuncia exportação para a Birmânia de máquinas, componentes e software que podem ser usados no fabrico de armas.

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Protesto em Naypyitaw contra o golpe militar de 2021 na Birmânia EPA/STRINGER

A junta militar no poder na Birmânia tem recebido equipamento estrangeiro, produzido em empresas ocidentais e asiáticas, que pode ser usado para matar e perseguir a população civil do país, segundo uma denúncia de um grupo de peritos internacionais em direitos humanos. Uma parte desse material terá sido fabricada na Ucrânia e na Rússia, e também na União Europeia e nos Estados Unidos.

A denúncia surge num relatório do Conselho Consultivo Especial para a Birmânia (SAC-M, na sigla em inglês), um painel liderado por três especialistas em direitos humanos e criado "para apoiar os povos da Birmânia na sua luta por paz, democracia, responsabilização e justiça", segundo o site da organização.

Entre os exemplos citados no relatório do SAC-M destacam-se o da empresa austríaca GFM Steyr, que terá exportado máquinas para o fabrico de canos de armas de fogo; da francesa Dassault Systèmes, que terá vendido à Birmânia software de simulação e análise em 3D; da alemã Siemens Digital Industries Software; da ucraniana Ukrspecexport, que terá exportado tecnologia para a produção de viaturas anfíbias BTR-4 e blindados MMT-40; e da russa NPZ Optics, acusada de vender miras telescópicas para as espingardas usadas por atiradores especiais.

Além de empresas da Alemanha, Áustria, França, Ucrânia e Rússia, o relatório faz referência a exportações de companhias da China, Singapura, Índia, Israel, Taiwan, Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos da América.

Segundo o documento, publicado nesta segunda-feira, foi detectada a venda de matérias-primas, maquinaria, componentes e software "que podem ser usados para suprimir e violar direitos humanos, e para cometer crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio".

Desde o golpe militar na Birmânia, em Fevereiro de 2021, quase três mil pessoas foram mortas e mais de 17 mil foram detidas numa onda de repressão. Na sequência do golpe, a União Europeia impôs um embargo à venda de armamento à Birmânia e proibiu a exportação de produtos de dupla utilização civil e militar.

"Gigantesca hipocrisia"

Não é claro se as empresas citadas no relatório receberam autorização expressa para as exportações por parte dos respectivos governos nacionais, nem se agiram à revelia de alguma lei; mas a existência de uma ligação ao regime militar birmanês revela, pelo menos, "uma gigantesca hipocrisia", segundo Gerard McCarthy, um especialista em políticas de desenvolvimento no Sudeste Asiático, citado pelo jornal britânico The Guardian.

"O governo de unidade nacional da Birmânia, eleito de forma democrática [em 2020], tem sido alvo de um bloqueio internacional na sua tentativa de adquirir capacidade defensiva", disse McCarthy. "Ao mesmo tempo, muitos dos países que dizem não querer 'intervir' na Birmânia fecham os olhos ao facto de as suas empresas estarem a armar, de forma directa e indirecta, a ditadura."

A sul-coreana Yanghee Lee, uma das especialistas do SAC-M, disse num comunicado que as empresas estrangeiras "ajudam o Exército da Birmânia – um dos piores abusadores de direitos humanos em todo o mundo – a produzir muitas das armas com que cometem atrocidades diárias contra o povo birmanês".

"As empresas e os governos dos respectivos países têm responsabilidades morais e legais para garantirem que os seus produtos não sejam usados na violação dos direitos humanos de civis na Birmânia. Se não o fizerem, tornam-se cúmplices nos crimes bárbaros dos militares birmaneses", disse a antiga especialista das Nações Unidas.

Num comunicado enviado ao Guardian, o Ministério do Trabalho e da Economia da Áustria disse não ter conhecimento de qualquer envio de equipamento militar de empresas austríacas para a Birmânia, e um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Singapura disse que o Governo do país não autorizou exportações de armas, "nem de outro tipo de equipamento com possível uso militar", para a indústria birmanesa.

"Além disso, Singapura entrega às Nações Unidas relatórios anuais sobre as transferências de armamento", disse o porta-voz citado pelo Guardian. "Não hesitaremos em agir contra quem infringir as nossas leis."

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