“Mortes e mutilações” no Amadora-Sintra. Hospital promete ir “às últimas consequências”

Dois médicos dizem que 22 doentes “morreram ou ficaram mutilados” por alegada má prática do serviço de Cirurgia Geral. Averiguações serão levadas “até às últimas consequências”, diz hospital.

Foto
A administração do hospital Amadora-Sintra confirma ter recebido a denúncia em Outubro Rui Gaudêncio

A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) e a Ordem dos Médicos estão a investigar denúncias de dois médicos que alegam que, no ano passado, 22 doentes do Hospital Prof. Doutor Fernando da Fonseca (conhecido por Amadora-Sintra) “morreram ou ficaram mutilados” por suposta má prática de profissionais da Cirurgia Geral.

A notícia é avançada pelo Expresso, a quem fonte da administração do hospital confirma ter recebido a denúncia em Outubro, que resultou na abertura de um processo de inquérito, um pedido à Ordem dos Médicos (OM) para “nomear instrutores externos do Colégio da Especialidade de Cirurgia Geral para garantir a necessária idoneidade e imparcialidade do processo de averiguações sobre as denúncias recepcionadas” e a comunicação do caso à IGAS.

Segundo o semanário, os dois clínicos comunicaram também o caso directamente à OM, referindo, na missiva enviada, que é seu “dever ético, profissional, pessoal, de cidadania alertar para que existem situações de prejuízo de vida e qualidade de vida graves, com mortalidade e mutilações desnecessárias, evitáveis, que resultam de uma prestação de cuidados ao doente cirúrgico que não coincide com a legis artis”. Os profissionais sublinham que não está em causa a actuação de um único médico, mas do que consideram ser “uma situação sistémica”.

Informações enviadas ao Expresso detalham, entretanto, alguns dos casos a que os médicos se referem. Entre eles está a de um paciente com cerca de 60 anos que terá sido operado ao baço, sem ter indicação para tal e que terá morrido “exsanguinado, com perto de 15 transfusões”, após a intervenção. Há casos de doentes submetidos a tratamentos oncológico (incluindo radioterapia) sem terem qualquer tumor e um outro paciente, também com cerca de 60 anos, que terá sido operado ao pâncreas por suspeita de um tumor que não existia. Neste caso, “o estudo pré-cirúrgico foi insuficiente e o doente ficou em internamento prolongado, com complicações e novas cirurgias”, refere a informação enviada ao semanário.

Uma morte relacionada com uma alegada má intervenção a uma hérnia ou o caso de um doente que terá sido operado ao fígado e recebeu alta com um abcesso hepático por tratar, tendo voltado ao hospital com “choque séptico gravíssimo” são mais alguns dos casos que terão sido transmitidos ao Amadora-Sintra e à OM.

Ainda segundo o Expresso, a OM não se pronunciou sobre este assunto, enquanto a IGAS confirmou a abertura de “um processo de natureza disciplinar para apurar os factos e aguarda resultados das investigações realizadas”. Já o inquérito preliminar, segundo o semanário, debruçou-se sobre dez dos 22 casos relatados e não encontrou, por enquanto, sinais de “violação da legis artis”.

Se houve erro, ele "não será ignorado"

Numa mensagem em vídeo, em nome do Conselho de Administração, a directora clínica do Hospital Amadora-Sintra, Ana Valverde, garante que as averiguações "serão levadas às últimas consequências" e que "se houve erro, não será ignorado". "Sabemos que nos últimos tempos lidamos com situações de doença avançada complicadas, fruto dos três últimos anos de pandemia, mas, contudo, os nossos profissionais, em todas as áreas, fazem todos os dias o seu melhor para, de acordo com as boas práticas clínicas prestar os melhores cuidados aos nossos utentes", afirmou a directora clínica na mensagem na sequência do noticiado.

No vídeo, a directora clínica do Fernando Fonseca confirma que a unidade recebeu uma exposição escrita do ex-director do serviço de cirurgia, alegando más práticas clínicas relativamente aos colegas de cirurgia geral. "Esta denúncia foi encarada com a correspondente responsabilidade e seriedade. De imediato foram desenvolvidas diligências e instaurado um processo de inquérito para apurar a verdade dos factos e as responsabilidades", afirma, adiantando que entre as diligências está o envio da denúncia para a Ordem dos Médicos, "para solicitar um processo de averiguação independente sobre as alegações do ex-director".

Ana Valverde refere ainda que, no próprio dia, o caso e as diligências tomadas foram comunicadas à Inspecção Geral das Actividades em Saúde (IGAS) e que o hospital iniciou "uma auditoria clínica do serviço de cirurgia geral". Falando em nome do Conselho de Administração, a directora clínica do Fernando Fonseca garante que "se houve erro, não será ignorado" e lembra que no ano passado foram realizadas naquela unidade 17.500 cirurgias.

A responsável transmite ainda uma mensagem de confiança nos profissionais do hospital, "quer do serviço de cirurgia geral, quer dos restantes serviços", que "zelam pela segurança e qualidade dos cuidados que prestam" aos utentes. "As investigações estão em curso, feitas com rigor e independência, sob a responsabilidade de um perito nomeado pelo Colégio da Especialidade da Ordem dos Médicos. Muito em breve serão finalizadas e as conclusões comunicadas às entidades competentes", afirmou Ana Valverde.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários