“A Caixa devia ir aumentando a remuneração dos depósitos”, diz João Leão

João Leão defende que a Caixa devia dar o sinal ao mercado, embora reconheça o sinal dado pelo banco público. O ex-ministro das Finanças só vê as taxas de juro do BCE a descer em 2024.

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"TAP falhou ao não reportar a indemnização a Alexandra Reis", diz João Leão Susana Madureira Martins (Renascença), Marta Moitinho Oliveira

Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, o ex-ministro das Finanças fala sobre o papel da Caixa na definição dos juros dos depósitos e do impacto da inflação nos rendimentos reais.

Se fosse ministro das Finanças dava uma orientação à Caixa Geral de Depósitos (CGD) para que subisse os juros que remuneram os depósitos, dando um sinal à restante banca comercial?
A banca comercial tem remunerações de depósitos próximas de zero. Ainda há aqui uma grande discrepância. O Estado já remunera os seus certificados de aforro acima de 3% – já é um veículo que o Estado tem que faz alguma pressão sobre o sistema bancário. Por essa via, o tal papel que estava a indicar de uma certa forma já está a ser feito via certificados de aforro. A Caixa Geral de Depósitos tem um novo produto em que já remunera acima de 1%, em condições especiais. Penso que é uma forma de atrair novo financiamento sem remunerar muito os depósitos que lá tem. É natural que este processo seja gradual. É importante também que a Caixa tenha aqui um contributo positivo nesse processo.

A Caixa devia alargar mais?
Não queria interferir. É importante preservar também a autonomia da administração da Caixa.

Se fosse ministro das Finanças não dava a orientação?
Penso que a Caixa devia ter um papel importante de ir aumentando a remuneração dos depósitos, porque é nesse sentido que o mercado estaria a funcionar de forma mais regular.

Mário Centeno disse no Parlamento que nos estamos a aproximar do final do processo de subida das taxas de juro por parte do BCE, mas neste momento as famílias estão a começar a sentir os efeitos nas prestações das casas. Isso não vai voltar ao que era antes...
No cenário do BCE, que é o caminho controlado, ainda é natural que durante 2023 as taxas de juro do BCE e as taxas Euribor aumentem cerca de um ponto até ao Verão. É natural que depois se mantenham algum tempo e comecem, se tudo correr bem, a poder descer a partir do próximo ano de 2024. As famílias agora vão ser muito afectadas pelo aumento das prestações mas, do ponto de vista de longo prazo, as famílias que estão endividadas beneficiarão com a inflação, porque a inflação ajuda os devedores. As famílias vão sentir muito a dor, mas daqui a uns anos as famílias vão sentir que as prestações pesam menos nos seus salários.

Os apoios que têm sido dados pelo Governo são suficientes?
É importante garantir que há apoios e que dêem prioridade às famílias que têm mais dificuldades. É natural que os apoios sejam temporários e dirigidos.

Podemos esperar mais apoios em 2023?
Temos de estar atentos às situações de vulnerabilidade. Parte destas famílias vão começar já em Janeiro a ter uma melhoria do seu rendimento real. Porque tiveram agora no final do ano a situação mais difícil. Mas agora, mais de um milhão dos trabalhadores vai ter um aumento do salário mínimo próximo dos 8%. O aumento do IAS [Indexante dos Apoios Sociais] também vai afectar um conjunto de trabalhadores. Na administração pública, os salários mais baixos também vão aumentar de forma significativa. Uma parte das famílias, sobretudo as de rendimento mais baixo, vão iniciar agora no primeiro trimestre a recuperação do rendimento real.

A inflação tirou-nos muito rendimento em 2022, as famílias com rendimento mais baixo vão começar já a recuperar rendimento em termos reais a partir de Janeiro. É preciso estar atento e perceber se há segmentos de vulnerabilidade que são tão abrangidos. E depois é natural que ao longo de 2023 e 2024 a restante parte da população comece a recuperar o rendimento em termos reais. Portanto, quem vê um futuro negro à frente está a olhar muito com o retrovisor para trás. 2023 será um ano transição.

Uma última questão: o seu nome tem sido apontado para juiz do Tribunal de Contas Europeu. É um lugar que lhe interessa?
Essa questão surgiu no jornal Politico, quando o jornal tinha a necessidade de pôr uma conclusão naquele impasse que tinha acontecido com a candidatura portuguesa ao Mecanismo Europeu de Estabilidade. Mas não. Não tinha fundamento.

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