O direito à greve no Reino Unido: um mundo de pernas para o ar

Sem o poder da greve, qual a força dos trabalhadores diante de um patronato parcial, injusto, impiedoso?

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Reuters/TOBY MELVILLE

Diante de uma nação vergada por greves em catadupa entre correios, maquinistas, enfermeiros, paramédicos, serviços aduaneiros, trabalhadores da administração pública, instrutores de condução e em breve professores, bombeiros e médicos, chega agora a resposta do Governo de Sua Majestade.

Desenganem-se, no entanto, se pensam ser a mesma baseada na negociação ou ingénua entreajuda. Não, e muito antes pelo contrário, ou não estivesse o Parlamento a legislar a obrigatoriedade de serviços mínimos para bombeiros, paramédicos e maquinistas, serviços mínimos esses ajuizados pelo Governo, sob pena de despedimento por justa causa para quem não cumpra o determinado.

E se nos sectores da saúde, educação, transporte e energia ainda estamos em negociações, a obrigatoriedade de serviços mínimos com igual despedimento por justa causa está em cima da mesa caso não se chegue a acordo. A isto, juntamos o direito da entidade patronal de processar os sindicatos que não cumpram a lei, sindicatos esses obrigados a indemnizar empresas e serviços públicos em função dos danos causados, mais a respectiva quebra de produtividade. Ou seja, o mundo de pernas para o ar e o patronato com a faca e o queijo na mão.

E assim será quando a perda do vínculo laboral é a espada de Dâmocles por cima das nossas cabeças. Isto num país onde já há regras apertadas para protestar, seja individualmente ou em grupo, em nome da ordem pública. Em nome dos bons costumes. Os mesmos bons costumes contra os quais o bloqueio de estradas e passagens é igualmente ilegal e para todos os casos penas de prisão de pelo menos um ano e multas a começar nas 2500 libras. Em nome da economia, pois claro, mas a economia de poucos em detrimento de todos os outros e todos os outros somos nós.

Sejamos claros, a luta pelos direitos cívicos está desde sempre associada a uma luta pela liberdade e a sua restrição não se aplica apenas a maquinistas, paramédicos e bombeiros mas a todos, quando o que é válido para uns hoje é universal amanhã.

No eterno jogo da corda e depois de mais de um século de direitos humanos, de direito ao voto e férias pagas, direitos para as mulheres, direitos para as minorias, direitos LGBTQIAS+, os paralímpicos, o #MeToo, os movimentos climáticos, a equidade salarial, a meritocracia, a luta contra o nepotismo entre tantas outras conquistas e liberdades, eis que chega a resposta e a resposta começa pela escravatura laboral.

Sem o poder da greve, qual a força dos trabalhadores diante de um patronato parcial, injusto, impiedoso? Porque os há, a começar por quem governa e o exemplo vem mesmo de cima. E não, ninguém quer fazer greve pelo simples prazer de fazer greve. Mas todos queremos melhores condições de vida.

Porque os serviços nunca são mínimos mas gerais. E se no fim somos todos essenciais e indispensáveis, então paguem-nos em conformidade, começando desde já por se sentarem à mesa de onde nunca saímos.

O braço está estendido e a porta escancarada e se não nos apertarem a mão temos sempre a rua à espera. A rua mas também a polícia, polícia essa proibida de fazer greve ou organizar-se em sindicatos. Pelo menos por aqui. E agora sabemos porquê.

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