Qual o papel do ex-Presidente brasileiro Jair Bolsonaro no ataque de domingo ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal e ao Palácio do Planalto em Brasília? Essa é a pergunta a que conduzem todas as linhas de investigação em curso por estes dias no Brasil, num cenário quase decalcado do que aconteceu a 6 de Janeiro de 2021 e nos meses seguintes nos Estados Unidos. O caminho, no entanto, é sinuoso. Perguntas e respostas sobre o que podemos esperar dos próximos capítulos desta novela brasileira:

Qual o ponto de situação das investigações no Brasil?

Há cerca de 1500 pessoas detidas, quase todas directamente envolvidas nos actos de vandalismo de domingo, mas o âmbito da acção judicial está a ser alargado. Há várias figuras destacadas do aparelho de segurança, conotadas com o bolsonarismo, alvo de mandados de detenção. 

No topo da lista está Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e antigo responsável pela segurança do Distrito Federal, que é acusado por Ricardo Cappelli, o interventor federal nomeado pelo Presidente Lula da Silva para assegurar a segurança em Brasília, de ter comandado uma "operação estruturada de sabotagem" contra o poder democrático. 

Depois de ter cessado funções no Governo de Bolsonaro, Torres retomou o seu antigo cargo na segurança de Brasília no dia 1 de Janeiro. No dia seguinte, demitiu toda a equipa de segurança e nomeou pessoas da sua confiança. No dia 8, horas antes de Brasília ser tomada e vandalizada por milhares de apoiantes de Bolsonaro, Torres rumou ao estado norte-americano da Florida, onde também se encontra Bolsonaro.

Torres, que promete regressar ao Brasil de imediato para responder às acusações de que é alvo, teve de reagir esta quinta-feira, através do Twitter, a outra grave suspeita: segundo a imprensa brasileira, foi encontrada em sua casa, durante buscas das autoridades, uma minuta de um decreto para assumir o controlo do Tribunal Superior Eleitoral e alterar o resultado das eleições presidenciais. Torres disse que é um documento "fora de contexto" que foi divulgado para "alimentar narrativas falaciosas contra si".

Para além de Torres, Lula da Silva aponta o dedo a agentes bolsonaristas no interior do Palácio do Planalto

"Eu estou esperando a poeira baixar. Eu quero ver todas as fitas gravadas dentro do Supremo Tribunal, dentro do palácio. Houve muitos agentes que foram coniventes. Teve muita gente da Polícia Militar conivente. Muita gente das Forças Armadas aqui de dentro que foi conivente. Estou convencido que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não tem porta quebrada. Ou seja, alguém facilitou a entrada deles aqui", disse.

Mas apesar das muitas vozes que pedem uma purga nas forças policiais e militares, Lula mantém, para já, a confiança no seu ministro da Defesa, José Múcio, um conservador que fora nomeado precisamente para comprar a paz com as forças armadas. Múcio, no entanto, pode não sobreviver à pressão política e sair por iniciativa própria.

Que mais está a ser investigado?

Para além da presumível conivência de figuras do bolsonarismo nos acontecimentos de Brasília, investiga-se também o fluxo do dinheiro que pagou a vinda de milhares de pessoas à capital brasileira. Em grupos bolsonaristas, em plataformas como o Facebook, o WhatsApp e o Telegram, foram publicadas várias mensagens, na semana passada, a anunciar o transporte gratuito, por autocarro, até Brasília. "Tudo pago", lia-se, com promessa de alimentação e alojamento. 

Várias destas mensagens incluíam os contactos dos organizadores locais das viagens, alguns dos quais já detidos, e estão identificadas mais de 100 empresas, sobretudo do sector agrícola, suspeitas de terem financiado a deslocação. É possível dar um salto daí para Bolsonaro? Neste momento, e para lá das simpatias evidentes, não há ou não são conhecidas provas desse elo.

E Bolsonaro, onde está?

Continua na Florida, nos EUA, para onde viajou nos últimos dias de 2022, de modo a evitar a tomada de posse de Lula da Silva. Continua também a negar qualquer envolvimento nos actos de domingo, que chegou mesmo a condenar, apesar de, durante a semana, ter publicado no Facebook (e logo apagado) um vídeo a insinuar que houve fraude nas presidenciais de Outubro. Passou também pelo hospital, devido a uma nova crise intestinal relacionada com a facada de que foi vítima em 2018.

Bolsonaro está a ser investigado nos EUA?

Não. Para já, há apenas para a pressão política interna. Quatro dias depois do ataque a Brasília, 46 congressistas do Partido Democrata assinaram uma carta enviada ao Presidente norte-americano, Joe Biden, exortando-o a colaborar com as autoridades brasileiras no esclarecimento do papel de Bolsonaro na invasão. 

Na missiva, em que é feito um paralelo com o ataque trumpista ao Congresso norte-americano a 6 de Janeiro de 2021, os congressistas pediram ainda a Biden para revogar o visto que Bolsonaro utiliza para se manter na Florida. Em causa está o visto A-1, normalmente reservado a diplomatas e governantes estrangeiros, e que Bolsonaro, não exercendo quaisquer funções oficiais, já não terá direito a ter.

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Bolsonaro pode ser deportado?

Até ao momento, não há fundamentos jurídicos para a deportação. Bolsonaro não foi condenado por qualquer crime pela justiça norte-americana, tanto no âmbito das leis de imigração, como do seu hipotético papel nos acontecimentos em Brasília. 

E extraditado?

Também não, de momento. Aí a bola está do lado do Brasil, que tem de requerer aos Estados Unidos a extradição de Bolsonaro para responder num eventual processo-crime. Que, de momento, não existe, apesar de ter sido pedido o bloqueio dos seus bens. E, a existir, Bolsonaro teria direito a combater nos tribunais americanos uma hipotética ordem de extradição, num processo potencialmente longo.

E se o visto A-1 for revogado?

Mesmo nesse caso, Bolsonaro pode requerer asilo nos EUA, alegando ser vítima de perseguição política no Brasil. Também neste caso, o processo de decisão poderia demorar meses ou anos, e o ex-Presidente brasileiro teria direito a permanecer nos EUA até à sua conclusão.