Já se sabe o que está a fazer o cientista chinês que mudou o ADN de bebés

O Laboratório de He Jiankui, o cientista chinês que manipulou um gene em embriões humanos e esteve preso por isso, procura agora dinheiro para investigar tratamentos para doenças raras.

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O cientista He Jiankui foi libertado em Abril de 2022, depois de ter sido condenado a três anos de prisão pela experiência de edição genética em embriões humanos ALEX HOFFORD/EPA

Há quatro anos, o nascimento das gémeas Lulu e Nana tornava-se notícia em todo o mundo. Em Novembro de 2018, o cientista chinês He Jiankui surpreendia a comunidade científica (e não só) com o anúncio dos primeiros bebés geneticamente modificados para resistir ao VIH. Desde aí, He Jiankui foi condenado a três anos de prisão, saindo em liberdade em Abril do ano passado, e agora afirma querer voltar à investigação científica.

Numa entrevista ao jornal espanhol El País, publicada esta quarta-feira, o cientista chinês refere que criou o Instituto de Investigação em Doenças Raras – nomeado como Laboratório He Jiankui –, um laboratório sem fins lucrativos que estará localizado num escritório com cem metros quadrados em Pequim (China), e que também anunciou na rede social Twitter (na qual está activo desde Setembro de 2022).

O objectivo do laboratório, diz, será tratar doenças com origem genética em “crianças e adultos, mas não embriões”, como é o caso da distrofia muscular de Duchenne, uma doença rara que atrasa o desenvolvimento físico e pode ser mortal.

A exclusão dos embriões de potenciais tratamentos não é mero acaso. No final de 2018, após o anúncio das gémeas geneticamente modificadas, He Jiankui foi condenado a pena de prisão devido a essa experiência científica e motivou um longo debate sobre a ética da modificação genética em humanos – e ao que isso podia conduzir.

A edição de um gene (o CCR5) nos embriões humanos que confere resistência à infecção por VIH foi considerada “absurda e altamente irresponsável”, como classificava então ao PÚBLICO Lluis Montoliu, investigador do Centro Nacional para a Biotecnologia espanhol (em Madrid) e presidente fundador da ARRIGE – Associação para a Investigação Responsável e Inovação na Edição do Genoma.

Mais: poucos dias após a conferência de imprensa em que anunciou o nascimento de Lulu e Nana, He Jiankui acrescentou que existia uma outra gravidez com um terceiro bebé editado geneticamente. Desse nunca mais houve novidades. Os problemas éticos com esta experiência tornaram-se claros à medida que o tempo avançava: a edição genética com a ferramenta CRISPR-9 não era segura em humanos, a aprovação e regulamentação da experiência não existiram, e o consentimento dos pais também terá sido dado sem toda a informação na sua posse.

Ao jornal El País, He Jiankui não responde às questões sobre as experiências realizadas em embriões. A resposta é sumária e mais genérica: “Aprendi que fiz as coisas muito depressa. As minhas próximas investigações serão transparentes e abertas a todo o mundo. Os avanços serão publicados nas redes sociais e existirá uma equipa internacional de cientistas que vai rever o nosso trabalho”, diz o cientista chinês.

Além da criação de um laboratório, onde terá a colaboração de pelo menos dois outros investigadores, He Jiankui diz que pretende angariar 137 milhões de euros do fundador do portal de comércio online Alibaba e de outros multimilionários – tudo para financiar a sua investigação em tratamentos para doenças raras.

O intuito final será o de criar tratamentos genéticos que sejam baratos para toda a população. O desenvolvimento de uma investigação isolada com os seus próprios revisores científicos contraria a independência que o método científico de revisão por outros cientistas defende, já que não será uma “prova cega” de análise das publicações.

Ainda citado pelo El País, He Jiankui afirma que vai dar explicações ainda este ano sobre essas experiências que o tornaram famoso, em congressos científicos. Para já, o cientista chinês continua à procura de financiamento para o seu laboratório e garante “viver bastante bem” em Pequim: “Passo tempo com a minha mulher e as minhas duas filhas, mudei-me para Pequim e comecei a jogar golfe”, diz ao jornal espanhol.

O cientista chinês é a personagem principal de um documentário disponibilizado na Apple TV e intitulado Make People Better (ou "Tornar as Pessoas Melhores"). Neste documentário, realizado por Cody Sheehy, é contada a história de He Jiankui, em que o cientista é descrito como uma vítima do sistema ao tentar tornar as pessoas melhores através da edição genética. A sua ascensão desde a fase de estudante até às experiências de 2018 também é contada neste filme, que não tem a participação do cientista chinês.

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