Pedido da IL ao TC deveria ter sido feito através do presidente do Parlamento

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais conclui que pedido da bancada liberal sobre esclarecimentos do Tribunal Constitucional quanto à Entidade da Transparência é legítimo.

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A Iniciativa Liberal enviou questões directamente ao Tribunal Constitucional sobre a Entidade da Transparência Daniel Rocha

Um parecer elaborado pela socialista Alexandra Leitão considera legítimo o pedido de informações da Iniciativa Liberal (IL) ao Tribunal Constitucional (TC) sobre a Entidade da Transparência, embora salientando que deveria ter sido feito através do presidente do Parlamento.

O parecer em causa, ao qual a Lusa teve acesso, foi pedido em Dezembro à Comissão de Assuntos Constitucionais, pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, sobre o modo de proceder em situações que os deputados queiram requerer informação a entidades públicas, que não o Governo e serviços dele dependentes.

Este pedido surgiu depois de um diferendo que opôs o TC à IL na sequência de um requerimento do partido enviado àquele órgão.

"No caso 'sub judice' é admissível a solicitação de elementos ao Tribunal Constitucional, na medida em que, apesar de este ser um verdadeiro tribunal, as informações pedidas relevam de uma competência de natureza administrativa — a instalação da Entidade da Transparência — e não do exercício da função judicial", sustenta a deputada.

Nas situações em que a lei considera admissível a solicitação de elementos a órgãos de soberania, continua a deputada, "os requerimentos respectivos não devem ser enviados aos órgãos de soberania por mero formulário electrónico, mas sim através do presidente da Assembleia da República, por razões protocolares".

Na prática, Alexandra Leitão considera que a IL tinha legitimidade para questionar o TC sobre a Entidade da Transparência, mas seguiu a forma incorrecta, ao enviar directamente as perguntas.

No texto — que ainda será votado esta quarta-feira na comissão de Assuntos Constitucionais — Alexandra Leitão aponta que "quanto à questão colocada pelo senhor presidente da Assembleia da República de saber se os órgãos de soberania além do Governo se incluem no conceito de 'entidade pública' a resposta é, em termos genéricos, negativa, na medida que, em cumprimento do princípio da separação de poderes, os deputados só podem solicitar informações e elementos às entidades públicas cujas funções estão sujeitas à fiscalização da Assembleia da República — o que não é o caso nem do Presidente da República, nem dos tribunais".

No entanto, salienta, "há dois conjuntos de excepções" a esta conclusão: "quer quanto ao Presidente da República, nas matérias do estado de sítio e do estado de emergência, quer quanto aos tribunais quando estes exerçam funções gestionárias de natureza administrativa e não a função judicial".

"No caso concreto, relativamente ao Tribunal Constitucional, não obstante este ser um verdadeiro Tribunal, integrado na função judicial do Estado, nos termos do artigo 209.º da CRP, a verdade é que as questões colocadas pelos deputados da IL não são sobre matéria jurisdicional (processos em curso, decisões judiciais pendentes, entre outras), mas sim sobre aspectos de natureza gestionária", argumenta.

Alexandra Leitão admite que se pode argumentar que a informação em causa poderia ser "solicitada directamente ao Governo, mas isso não retira o direito aos deputados de dirigir o pedido ao Tribunal Constitucional", nos termos da Constituição e do Regimento da Assembleia da República.

Para a deputada, questão diferente é a de saber "qual o procedimento a adoptar para a apresentação e envio destes requerimentos a outros órgãos de soberania que não o Governo, nos casos excepcionais em que esses pedidos podem ser formulados".

"E aí admite-se como mais adequado que seja através do presidente da Assembleia da República, e não directamente através do formulário electrónico que consta do sítio da AR. No entanto, esta "mediação" prende-se apenas com razões protocolares, não competindo, salvo melhor opinião, ao PAR um poder discricionário sobre o envio ou não dos pedidos aos órgãos de soberania", conclui.

Em Novembro, o presidente do TC, João Caupers, enviou um ofício ao presidente da Assembleia da República no qual o juiz manifestava "perplexidade" por ter recebido um requerimento da IL a propósito da Entidade da Transparência.

Para João Caupers, esta iniciativa da IL consistiu numa "interpelação directa de um grupo parlamentar ao Tribunal Constitucional, estranha às exigências de relacionamento entre órgãos de soberania".

"Compreenderá vossa excelência a perplexidade causada, em primeiro lugar por aquilo que, nas presentes circunstâncias, se oferece como uma interpelação directa de um grupo parlamentar ao Tribunal Constitucional, estranha às exigências de relacionamento entre órgãos de soberania. Em segundo lugar, pelo conteúdo do que é requerido — incluindo informação que é pública —, a lembrar um controlo de intendência, que também se tem por impróprio", afirmou o juiz, mostrando-se "certo de que este incidente se deveu a um lapso".

Na altura, o líder da bancada parlamentar da IL, Rodrigo Saraiva, referiu que recebeu "com enorme perplexidade" a resposta do TC e considerou "incompreensível a indisponibilidade [destes juízes] para remeterem à Assembleia da República documentos tão simples, mas tão necessários".

No início de Dezembro foi divulgado que o presidente do Parlamento tinha solicitado ao TC a informação pedida pela IL.

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