Novo Ano, novo cérebro? Como fazer um detox cerebral

Um dos grandes desafios que os neurocientistas têm tido, nas últimas décadas, é o facto do aumento da esperança média de vida não ser sempre acompanhado de saúde cognitiva.

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Vários estudos demonstraram o efeito benéfico do exercício na diminuição de risco de demência Anupam Mahapatra/Unsplash

Talvez eliminar a família após as festas possa ser uma forma de atenuar o stresse da época natalícia... Ou melhorar a saúde cognitiva, tal como o livro da Bella Mackie, Como matar a tua família, nos aconselha. Felizmente, temos dados científicos que nos apontam outras opções menos extremas e mais agradáveis, sem sofrimento ou penas de prisão envolvidas.

Um dos grandes desafios que os neurocientistas têm tido, nas últimas décadas, é o facto do aumento da esperança média de vida não ser sempre acompanhado de saúde cognitiva. No entanto, já reunimos bastantes dados científicos acerca dos fatores que podem ajudar a manter um cérebro mais saudável.

Após um ano intenso e incerto, temos ao nosso alcance várias formas de começar 2023 de forma mais enérgica e cognitivamente mais saudável. O que proponho é um detox cerebral para estimular e cuidar do cérebro neste início de ano:

Hábitos mais saudáveis

O álcool e outras drogas com efeitos no cérebro (incluindo a nicotina) consumidos de forma crónica ou em doses elevadas, causam dependência e alterações no funcionamento cerebral.

Alguns estudos de imagiologia no cérebro, usando ressonância magnética, mostram que o cérebro de pessoas dependentes de substâncias é menor, apresentando uma redução do fluxo sanguíneo, uma menor capacidade de produção de neurónios e atrofia (diminuição do volume) do hipocampo - área crucial na aprendizagem e memória -, bem como um risco acrescido de demência.

Isto sem falar no facto de que a ingestão de substâncias que afetam a capacidade de avaliar riscos ou reflexos aumenta a probabilidade de acidentes com lesões cerebrais graves (aquele impulso de andar de trotineta ou moto sem capacete!). Que tal desintoxicar os hábitos do cérebro?

Ouvir música

Música para começar janeiro em grande. Um dos estudos mais interessantes acerca dos efeitos da música no cérebro mostra que Mozart ajuda a sincronizar o ritmo da frequência cerebral em jovens aquando de testes escolares; ou em pessoas idosas, sobretudo nas ondas alfa, importantes para a retenção da memória a curto prazo.

Aprender a tocar um instrumento musical desenvolve a coordenação motora e visual. Outros estudos mostram que ouvir os Blur (caso se goste) ou ter uma experiência emocionalmente agradável, desenvolve a concentração e diminui a ansiedade.

Deixo a sugestão de ouvir a energizante música Today dos Smashing Pumpkins e ler o maravilhoso livro do Rui Couceiro, Baiôa sem data para morrer. Só para começar.

E quantas horas dormiu no ano passado?

Em Portugal, as horas de sono são poucas e a qualidade de sono é particularmente deficiente. Há vários estudos que associam esta pobre qualidade de sono a condições crónicas como obesidade, diabetes ou distúrbios cardiovasculares.

O sono é tão essencial à sobrevivência como estar acordado, apesar da pouca consciência sobre o assunto. Durante o sono é feito o processamento e integração da memória, contribuindo para a qualidade cognitiva e desenvolvimento saudável (sobretudo nas crianças).

Mas mais importante ainda, é durante o sono que se restabelecem as células nervosas ao haver eliminação dos resíduos celulares produzidos durante o período ativo.

Curiosamente, estudos recentes demonstram que a eliminação dos agregados de proteína beta-amilóide, uma das proteínas cuja acumulação é tóxica na doença de Alzheimer, é feita durante o sono. Dormir não significa preguiça cerebral e se sofre de patologias de sono (insónia, apneia, etc.) procure um especialista.

Atividade física

O exercício tem vários benefícios diretos e indiretos na saúde cerebral.

Primeiro, promove a libertação dos chamados fatores neutróficos que são essenciais para a função e manutenção das células nervosas.

Segundo, há libertação de neurotransmissores que induzem sensação de bem-estar e razão pela qual as pessoas testemunham ficar ‘dependentes’ de atividade física.

Terceiro, baixam os níveis de ansiedade e de risco de doenças crónicas, aumentando a probabilidade de um envelhecimento saudável a par da saúde cognitiva.

Mais recentemente, vários estudos demonstraram o efeito benéfico do exercício na diminuição de risco de demência, com duas horas de prática moderada por semana. Que tal começar o ano com umas caminhadas ou voltar ao ginásio?

Preste atenção redobrada à saúde cerebral

Quando temos uma perna partida ou uma apendicite não melhoramos sem intervenção médica. Nem aconselhamos ninguém a ‘tentar sozinho com a força de vontade’, ou a ‘ter paciência para ver se passa’. Também as doenças mentais não se curam milagrosamente ou por vontade própria.

Procure os profissionais de saúde adequados quando houver sinais de alerta e trate o seu cérebro com o cuidado e atenção que merece qualquer outro órgão do seu corpo.

Café?...

E por último sabia que a investigação (incluindo a nossa) tem demonstrado o papel benéfico da cafeína na cognição e na função neuronal? Continue a beber um ou dois cafés por dia, desde que não interfira nas horas de repouso e se não houver contraindicações.

Votos de um excelente 2023!


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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