Memórias de Harry viraram “o feitiço contra o feiticeiro”, dizem especialistas

Alberto Miranda e Vasco Ribeiro consideram que Na Sombra tornará irremediável a relação do duque de Sussex com a família. E não acreditam que Buckingham vá reagir.

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A autobiografia Spare foi lançada esta terça-feira EPA/ANDY RAIN

São cerca de 500 páginas onde o príncipe Harry confessa tudo o que há para confessar sobre a sua vida, sem poupar a detalhes: da infância à morte da mãe, adolescência com excessos e o que o terá levado a abandonar os deveres reais. As memórias, intituladas Na Sombra, são um grito de misericórdia por parte do duque de Sussex, apontam os especialistas ao PÚBLICO. A ideia seria voltar a reunir consenso sobre a sua figura, mas, afinal, saiu-lhe o tiro pela culatra.

“Não li o livro e duvido que me apeteça ler”, declarou o veterano José Bouza Serrano, antigo chefe do Protocolo do Estado português e autor de As Famílias Reais dos Nossos Dias. Por esse motivo escusa-se a comentar o tema na ordem do dia, na data em que as memórias do príncipe Harry chegaram aos escaparates, editadas pela Objectiva. O diplomata considera “lamentável” a situação dos duques de Sussex, que acredita terem tido tudo para “servir a Instituição”.

O especialista em protocolo e etiqueta Vasco Ribeiro define o livro como um “acto sem precedentes”, que “expõe questões de foro privado da família de uma forma que nunca antes tinha sido exposta”, sobretudo no que concerne o rei Carlos III e o príncipe herdeiro William.

As acusações que deixa ao pai e irmão não são positivas, analisa o professor universitário, já que podem levar “a sociedade a olhá-los de outra forma”. Contudo, defende, os relatos tão íntimos de Harry deixam a pairar uma dúvida que enfraquece o ataque: “Aquilo é verídico ou uma realidade aumentada?”

O relato autobiográfico de Harry — escrito pela pena de um ghostwriter — é o revelar de “um trauma de infância” e mostra um homem de 38 anos “psicologicamente instável”, analisa, por sua vez, Alberto Miranda, jornalista especialista em famílias reais. Publicar um livro deste cariz, critica, “ataca as bases mais importantes da Instituição”, onde os “príncipes nascem educados para servir”, mas é sobretudo “um duro golpe institucional no Reino Unido”.

Alberto Miranda confessa não compreender “a necessidade de fazer revelações tão pessoais”, mas acredita que será uma tentativa de Harry procurar recuperar os índices de popularidade do casal, que têm vindo a cair a pique. “Ao revelar estes episódios, sobre a sua vida sexual, como perdeu a virgindade, como consumiu cocaína, quer humanizar-se, uma aceitação do povo”, elabora.

Querer essa aceitação pode parecer contraditório para alguém que saiu do Reino Unido à procura de privacidade, queixando-se da perseguição dos tablóides. “Diz que fugiu da imprensa. Agora, vende a sua própria privacidade”, critica o jornalista. O tipo de revelação que Harry faz é semelhante aos problemas de qualquer família, acrescenta, lembrando que falar disso em público é “quase patético”.

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Os dois irmãos no velório da avó Isabel II Reuters/Pool

Neutralidade e discrição

Patético e capaz de “virar o feitiço contra o feiticeiro”. Numa monarquia, assevera Alberto Miranda, não é este tipo de revelações que se espera de um príncipe: “As famílias reais são exemplo moral, social, filantrópico e de transparência.” É por isso que o autor de As Dez Monarquias da Europa não acredita que o Palácio de Buckingham reaja ao livro de memórias, mantendo a discrição e a máxima “nunca te queixes, nunca expliques”.

Vasco Ribeiro concorda, ainda que reconheça que a reacção possa vir a surgir de uma forma “mais neutra e pouco efusiva”. “Estão a resguardar-se e adoptam a postura que acham mais diplomática”, observa o especialista em protocolo. De lembrar que o Palácio reagiu aquando da entrevista dada a Oprah em 2021, mas apenas para condenar as acusações de racismo levantadas pelo casal.

Em termos protocolares, reaviva o professor, o rei deve manter-se sempre “o mais neutro possível, com opiniões com carácter menos vinculativo”. Este é um legado deixado à monarquia por Isabel II, que se sabia primar pela discrição, reforça Vasco Ribeiro. Legado esse que o novo soberano deverá manter. “A rainha era um símbolo mundial pela diplomacia e protocolo. Carlos deverá respeitar a mãe e William fará o mesmo, por consequência.”

Nos próximos tempos, considera o investigador, o rei e a rainha consorte Camila, bem como os príncipes de Gales, deverão manter-se mais resguardados e evitarão tantos eventos públicos, de forma a minimizar a exposição à imprensa. Mas, considera, em breve estarão de volta à rotina normal e o livro não deixará mazelas na monarquia, ainda que as acusações deixadas por Harry fiquem em papel para sempre.

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William, Kate, Harry e Meghan cumprimentam a multidão depois da morte de Isabel II Reuters/Pool

Não há volta atrás

Para sempre ficarão as mazelas infligidas na relação familiar, concordam os dois especialistas. Alberto Miranda recorda as tentativas de aproximação de Carlos a Harry quando subiu ao trono, em Setembro passado — falou do filho e da nora no primeiro discurso, deixou que Harry usasse uniforme militar no velório da avó e os duques de Sussex estiveram publicamente com os príncipes de Gales.

Terá sido tudo em vão. “A família já apontava para uma união não total. Agora foi a gota de água, jamais voltarão a ser unidos. É um livro que está escrito e corre o mundo”, reforça Vasco Ribeiro, que defende que a obra irá dividir Windsor entre os que apoiam Harry e os que estão do lado do futuro rei.

Alberto Miranda considera que a grande prova de fogo quanto às desavenças da família será a coroação de Carlos III, agendada para 6 de Maio, e a presença (ou ausência) dos duques de Sussex, Harry e Meghan. “Temos que nos lembrar que Harry já não é só neto, é filho do rei”, sublinha. E conclui com esperança: “É expectável que vá.”

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