Morreu o artista Michael Snow

Autor do filme Wavelenght ou da silhueta Walking Woman, foi músico, pintor, escultor ou cineasta.

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Michael Snow em Lisboa em 2018 Rui Gaudencio
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Michael Snow em Lisboa em 2018 Rui Gaudencio

Michael Snow, um dos mais versáteis artistas da segunda metade do século XX e o autor do filme estruturalista Wavelength (1967), morreu na quinta-feira, em Toronto (Canadá), aos 94 anos. Segundo disse a sua mulher ao diário norte-americano New York Times, a causa do óbito foi pneumonia.

Snow nasceu em Toronto em 1929. Licenciou-se na Ontario College of Art em 1952. O New York Times faz a súmula das suas várias experiências artísticas descrevendo-o como um “polímata artístico”. Foi músico, pintor, fotógrafo, escultor e cineasta experimental.

“As minhas pinturas são feitas por um cineasta, a escultura por um músico, os filmes por um pintor, a música por um cineasta, as pinturas por um escultor, a escultura por um cineasta, os filmes por um músico, a música por um escultor. Às vezes trabalham todos juntos”, disse em 1967 num catálogo para a National Gallery of Canada, citado agora pela revista Art Forum. A National Gallery of Canada tem na sua colecção 75 obras de Snow, que também integra acervos de importantes museus como o Centro Pompidou, em Paris, ou o Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque.

Instalado em Nova Iorque em plena década de 1960, tocava piano para jazz e pintava. “Desde os anos 1940 que toquei com bandas, gravei músicas”, contou ao PÚBLICO em 2018, quando a Culturgest teve uma exposição sobre o seu trabalho, O Som da Neve, centrada no som e comissariada por Delfim Sardo. O curador disse na altura que os filmes de Snow são "referências incontornáveis da cinematografia experimental contemporânea".

Um ano depois, a Cinemateca Portuguesa dedicou-lhe um ciclo integral da sua obra, mostrando 25 filmes, feitos entre 1956 e 2008. Um importante mas imprevisto telefonema está na origem de (quase) tudo isso.

“Depois de me formar em Artes em Toronto, passei um ano e meio na Europa a tocar música e, ocasionalmente, a desenhar e a pintar. Quando voltei ao Canadá, recebi um telefonema de um homem. Dizia que queria falar comigo. Este episódio mudou a minha vida. Tratava-se de George Dunning, que na altura era director de uma companhia cinematográfica” — seria também o realizador do filme de animação Yellow Submarine, dos Beatles.

“Ele gostou tanto dos meus desenhos que me ofereceu trabalho na animação, o que foi maravilhoso. Eu não sabia como me afirmar como artista, continuava a dar concertos, e arranjar um emprego como aquele foi algo fantástico. E assim aprendi a trabalhar com o filme”, recordou ao PÚBLICO.

Em 1966, começou a trabalhar em Wavelenght, uma obra que hoje é considerada uma das mais avant garde de sempre mas que gerou profundas divisões. Ao longo de 45 minutos, um plano em zoom atravessa um loft de Manhattan até se focar numa fotografia na parede mais ao fundo. Há pouca presença humana, há promessas narrativas goradas, cortes, perturbação. Andy Warhol ou o cineasta experimental Jonas Mekas adoraram, outros detestaram (houve quem gritasse, perturbado, na exibição no MoMA de Nova Iorque, ou saísse indignado), mas estava ali cristalizada a sua obra-prima.

O outro sinal distintivo do seu trabalho é a figura estilizada e curvilínea que baptizou de Walking Woman e que apareceria em muito do seu trabalho — escultura, filme, pintura ou fotografia — ao longo da década em que o mundo o descobriu. Fez parte de um colectivo com a sua então mulher, a artista Joyce Wieland, o escultor Richard Serra, o compositor Steve Reich, os cineastas Hollis Frampton e Ken Jacobs ou o pianista Cecil Taylor, entre outros nomes.

Autor de peças fílmicas como Back and Forth (1968-69), La Région Centrale (1971) ou Rameau’s Nephew (1974), bem como de A Casing Shelved (1970), So Is This (1982) ou *Corpus Callosum (2001), também se moveu nos terrenos da instalação ou da fotografia. A obra filmada tornou-se a mais conhecida e internacional, mas a sua fotografia era igualmente valorizada.

A cidade de Toronto, para onde regressou em 1971, está marcada por Michael Snow. O centro comercial Eaton Center encomendou a escultura que se viria a chamar Flight Stop, e que representa 60 gansos de fibra de vidro em pose de voo e que se tornaram um marco turístico da cidade. O New York Times recorda como o centro comercial, num Natal, pôs fitas nos gansos e Snow obrigou o tribunal a removê-las.

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