Nova crise no Governo passo a passo

O caso de Carla Alves, desde as contas arrestadas, passando pela defesa de António Costa, as críticas de Marcelo e a garantia da ministra da Agricultura em como não sabia de nada.

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A demissão da ex-secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, é a 13ª. deste Governo Nuno Ferreira Santos

Apenas uma semana depois da maior crise política deste Governo, motivada pela indemnização de 500 mil euros pagos pela TAP à ex-secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, e que levou à demissão do ex-ministro das Infra-estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, o Governo vê-se envolto em mais um caso, desta vez, na pasta da Agricultura. Do estalar da polémica à demissão da secretária de Estado Carla Alves, que não se aguentou no cargo mais de 25 horas, passou menos de um dia, mas o caso bastou para abanar o Governo que enfrenta, uma vez mais, pedidos de esclarecimentos e demissões. Sob fogo está, em particular, a ministra da Agricultura.

5 de Janeiro

01h30 - O Correio da Manhã avança que a recém-empossada secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, tem "diversas contas arrestadas, na sequência de uma investigação [do Ministério Público] que visa o marido, Américo Pereira (PS), ex-presidente da Câmara de Vinhais" devido a uma discrepância entre os rendimentos declarados e o balanço das contas bancárias do casal entre 2013 e 2020. Ao contrário do marido, acusado de prevaricação, participação económica em negócio e corrupção activa, Carla Alves não foi acusada pelo Ministério Público. Em resposta ao jornal, o Ministério da Agricultura e da Alimentação declara que Carla Alves “não é visada em qualquer processo-crime” e que “não há nenhuma questão que coloque em causa a sua nomeação”.

12h30 ​- Américo Pereira dá uma conferência de imprensa a partir de Vinhais, em Bragança, onde afirma que "não há qualquer entrada ilícita" nas suas contas bancárias e que correm "falsidades na praça pública" porque "o que foi arrestado das contas bancárias não foram as contas, mas sim os saldos". Mais, o ex-autarca garante que as discrepâncias encontradas entre os valores declarados e os saldos das contas se devem a "um erro contabilístico" e que Carla Alves "não tem rigorosamente nada a ver" com o caso, estando apenas uma conta partilhada com a secretária de Estado arrestada.

15h - No debate da moção de censura ao Governo apresentada pela Iniciativa Liberal, que teve início às 15h, o primeiro-ministro, além de questionado sobre as sucessivas demissões de governantes, é inquirido pelos partidos acerca da nomeação de Carla Alves. António Costa salvaguarda-se ao revelar que falou com a secretária de Estado para esclarecer se os rendimentos não declarados constam de contas conjuntas com o marido e se a secretária de Estado declarou ao fisco todos os rendimentos que auferiu. "O que a senhora me disse é que não consta nenhum rendimento não declarado, tudo o que ganhou declarou. É o que a senhora me diz", assegura.

RUI GAUDENCIO
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RUI GAUDENCIO

O primeiro-ministro defende ainda a secretária de Estado, declarando que nunca demitiria a "mulher de alguém porque o marido é acusado"​ e que não existe qualquer "suspeição de que haja envolvimento" da secretária de Estado "no caso do marido". Admitiu, porém, já deixando antever qual viria a ser o desfecho do caso, que se um membro do Governo tiver rendimentos não declarados não deve manter-se no Governo e que "se estiver ferida a ética republicana, a secretária de Estado é demitida".

18h50 - Decorria ainda o debate parlamentar, quando o Presidente da República, à porta do Teatro São Luiz, em Lisboa, afirma que Carla Alves tem "uma limitação política" e deixa o aviso de que as pessoas que aceitam um cargo no Governo devem formular um juízo sobre si próprias. Embora admitindo que "não há, neste momento, com os factos conhecidos, nenhum caso de inconstitucionalidade ou ilegalidade", Marcelo Rebelo de Sousa dava, assim, a entender que a secretária de Estado não tinha condições para manter-se no cargo.

19h - A ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, falta à cerimónia da entrega do prémio Universidade de Lisboa 2020 a António Guterres na reitoria da Universidade de Lisboa. Maria do Céu Antunes esteve no ministério reunida com os seus assessores e o PÚBLICO sabe que o director de comunicação do Governo, João Cepeda, esteve envolvido nessa discussão.

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Cerimónia da entrega do prémio Universidade de Lisboa 2020 a António Guterres ANTóNIO COTRIM/lusa

19h50 - Uma hora depois das declarações do Presidente, o gabinete de imprensa do Ministério da Agricultura e Alimentação envia um comunicado às redacções a informar que Carla Alves pediu a demissão. "A secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, apresentou esta tarde a sua demissão por entender não dispor de condições políticas e pessoais para iniciar funções no cargo. A demissão foi prontamente aceite", lê-se na nota.

21h40 - Em reacção, o primeiro-ministro faz uma publicação no Twitter em que insiste naquela que tem sido a narrativa do Governo perante os diversos casos que têm assolado o executivo: "O Governo mantém-se firme na execução das suas políticas, cumprindo e honrando os compromissos com os portugueses", nomeadamente, na "identificação e na resposta aos problemas causados pela crise inflacionista".

22h50 ​- A ministra da Agricultura sai do ministério e, em declarações à SIC Notícias, afirma que "está tudo esclarecido". "Não tenho mais nada a dizer sobre este assunto, o que tinha a dizer já disse em sede própria", acrescentou, referindo-se, possivelmente, ao primeiro-ministro.

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ANTONIO PEDRO SANTOS

23h30 - O PÚBLICO noticia que Carla Alves recebeu, em 2015, mais 43 mil euros do que declarou ao fisco numa conta bancária própria, informação que consta da acusação do Ministério Público ao marido da secretária de Estado demissionária.

6 de Janeiro

7h - O PÚBLICO avança que a ex-secretária de Estado informou a ministra da Agricultura do caso do marido antes de tomar posse.

7h30 - O Correio da Manhã revela que a ex-governante está a ser investigada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela por um pagamento ilegal de 68 mil euros à própria quando era funcionária da Câmara de Vinhais.

10h30 - PSD, Chega, IL e PAN anunciam que irão pedir audições à ministra da Agricultura a fim de se esclarecer o que sabia sobre o caso em que está envolvida Carla Alves e se transmitiu essa informação ao primeiro-ministro.

10h40 - Horas depois, o Ministério da Agricultura envia um comunicado às redacções em que refere que a ministra "não tinha conhecimento de qualquer envolvimento de Carla Alves em processos judiciais". Não diz, contudo, se sabia do processo judicial do marido, isto é, das contas arrestadas partilhadas com a secretária de Estado nem de uma eventual não declaração de rendimentos por parte da mesma.

11h - À entrada da conferência dos 50 anos do jornal Expresso, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva defendeu a ministra ao considerar que a explicação sobre o caso "já foi dada quando a secretária de Estado renunciou ao cargo", depois de "uma avaliação" feita "entre as duas".

12h - Questionado pelos jornalistas sobre se mantém a confiança na ministra da Agricultura, à margem de um evento em Almada no âmbito do PRR em Movimento, António Costa pediu que "não façam essa correria" e garantiu que "está tudo bem".

15h - A ministra da Agricultura insiste, uma vez mais, em declarações à RTP3, que não tinha conhecimento do caso e que teve "conhecimento através da comunicação social". Questionada sobre se não deveria ter sabido, afirmou que "isso é um julgamento que tem de ser feito" e em resposta a uma eventual demissão disse apenas "neste momento, vou trabalhar".

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António Costa na inauguração da Residência Nossa Senhora da Piedade, em Braga, nesta sexta-feira HUGO DELGADO

17h50 - António Costa admite aos jornalistas, em Braga, que o "Governo tem problemas e os problemas têm de se resolver", mas afirma que o problema "principal" neste momento é a "inflação". Garante ainda que "não há um problema de coesão" no executivo. Questionado sobre se está cansado destes casos, o primeiro-ministro disse que "ninguém gosta de ter problemas na sua organização", mas pediu para não confundirmos os mesmos com o que é "essencial": "Os problemas dos portugueses."

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