Livro do secretário de Bento XVI revela tensões entre os dois Papas

Joseph Ratzinger foi a enterrar nesta quinta-feira e, horas depois do funeral, já uma editora italiana enviara a algumas redacções cópias do livro escrito pelo arcebispo Georg Ganswein.

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Georg Ganswein acompanhou o Papa Bento XVI desde a sua ordenação até à morte Reuters/GUGLIELMO MANGIAPANE

Embora o Papa Francisco comparasse frequentemente ter o antigo Papa Bento XVI a viver no Vaticano a ter um avô em casa, um livro do assistente mais próximo do Papa emérito revela que não era um mar de rosas.

Joseph Ratzinger foi a enterrar nesta quinta-feira e, horas depois do funeral, já uma editora italiana enviara a algumas redacções cópias do livro escrito pelo arcebispo Georg Ganswein, o braço direito de Bento XVI. O título do livro é claro: Nada mais que a Verdade - A Minha Vida ao Lado de Bento XVI.

Georg Ganswein, 66 anos, foi o secretário pessoal de Bento XVI, desde 2003, quando aquele ainda era o cardeal Joseph Ratzinger; e permaneceu ao seu lado durante quase 20 anos até à sua morte no sábado. Já durante o mandato de Francisco, Ganswein exerceu funções na Prefeitura da Casa Pontifícia até ser substituído em 2020.

No livro, que deverá chegar às livrarias na próxima semana, a 12 de Janeiro, Ganswein dá uma visão privilegiada da eleição de Bento XVI, em 2005, da sua decisão de, em 2013, se tornar o primeiro Papa em 600 anos a renunciar, a sua doença e as suas últimas horas.

Embora, após a sua saída, Bento XVI tenha evitado as aparições públicas, continuou a ser um porta-estandarte dos conservadores católicos, que se sentiram alienados pelas reformas iniciadas por Francisco, incluindo a repressão da missa em latim. Aparentemente, o Papa emérito terá considerado que a decisão foi "um erro".

No livro, Ganswein diz que Bento XVI ficou "surpreendido" por Francisco nunca ter respondido a uma carta pública de quatro cardeais conservadores, em 2016, incluindo o cardeal americano Raymond Leo Burke, que acusou Francisco de semear confusão sobre questões morais. Este acabaria por ser afastado pelo Papa jesuíta.

O livro diz ainda que o Papa alemão não concordou com algumas das posições de Francisco. Por exemplo, seis meses após a sua eleição, em 2005, Francisco deu uma longa entrevista a um jornal jesuíta e, depois, enviou-a a Bento XVI com algumas anotações. Este devolveu-a com críticas à forma como o Papa argentino tinha respondido a perguntas sobre temas como o aborto e a homossexualidade.

Matteo Bruni, porta-voz do Vaticano, disse não ter comentários sobre o livro, escrito por Georg Ganswein com o jornalista italiano Saverio Gaeta e publicado pela Piemme, uma chancela da editora Mondadori.

Servir dois mestres

Durante os primeiros sete anos após Francisco ter sido eleito Papa, Georg Ganswein manteve os seus dois cargos, prefeito da Casa Pontifícia e secretário particular do ex-Papa.

Mas Ganswein escreve que nunca foi capaz de alcançar um "clima de confiança" com Francisco e que este provavelmente deixou-o manter-se no cargo de prefeito, durante tanto tempo, por respeito a Bento XVI.

Contudo, a situação mudou quando, em Janeiro de 2020, foi editado um livro sobre o celibato sacerdotal, escrito pelo cardeal conservador Robert Sarah. Na altura, este disse que Bento XVI era co-autor da obra, mas o Papa emérito exigiu que o seu nome fosse retirado da capa.

Georg Ganswein foi apanhado no meio e fontes oficiais do Vaticano fizeram saber que Francisco não estava satisfeito com a forma como o episódio fora tratado, afastando o arcebispo do seu cargo como prefeito. No livro, o alemão escreve que o Papa ordenou-lhe que "não voltasse ao trabalho" no dia seguinte, e que cuidasse de Bento XVI a tempo inteiro.

O Papa emérito escreveu duas cartas a Francisco, apelando-lhe para fazer ou dizer algo para esclarecer a situação, porque Ganswein estava a sofrer e "sob ataque de todos os lados". Contudo, o Papa nunca terá restabelecido o contacto.

O ex-prefeito conta ainda que foi a 25 de Setembro de 2012 que Bento XVI lhe disse que decidira demitir-se e que tentou convencer o Papa a abrandar, mas não a sair de cena. No entanto, Bento XVI não o ouviu e começou a pensar no melhor momento para o anúncio que, sabiam, seria histórico.

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