O outro Senhor Alvarinho. Jornalista enófilo já provou 370 alvarinhos

O jornalista freelancer e crítico “autodidacta” João Paulo Meneses já provou mais Alvarinhos do que os dias que tem um ano. Criou em 2017 o blogue Senhor Alvarinho e prova varietais de todo o país.

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João Paulo Meneses tem um blogue chamado "Senhor Alvarinho" onde já deixou a crítica a 370 Alvarinhos, de várias regiões vitivinícolas do país Nelson Garrido

Há outro Senhor Alvarinho que não o produtor e enólogo Anselmo Mendes (conhecido por esse epíteto). O jornalista João Paulo Meneses é um aficionado da casta de Monção e Melgaço, criou um blogue que baptizou com aquele nome e em seis anos já provou 370 referências de Alvarinho de todo o país.

"O projecto é jornalístico", apesar de o seu autor não ser um jornalista especializado no sector. Tão-pouco tem um curso de prova de vinhos. Mas aprecia-os de forma crítica e pontua-os numa escala de zero a dez.

"Gosto desta casta em particular, para mim é a melhor casta branca em Portugal, e já comprava vários vinhos de Alvarinho, até que chegou uma altura em que pensei: já bebi este ou não? Porque é que eu não faço uma lista? Isto começou [por ser] para mim." E foi assim que, em 2017, o que seria um mero registo dos vinhos que ia provando se transformou num hobby muito profissional.

João Paulo Meneses é jornalista freelancer (trabalhou na TSF durante 25 anos; antes disso, no final dos anos de 1980, foi chefe de redacção na Rádio Nova) e colabora regularmente com o Macau Business, de Macau, onde viveu na década de 1990. Tem "zero" ligações à sub-região dos Vinhos Verdes onde tem berço o Alvarinho — nasceu em Lisboa e virou vila-condense há 50 anos.

"Não sou um crítico de vinho, não tenho [essa] formação, mas fui aprendendo", conta o jornalista enófilo que prova "pelo menos um Alvarinho por semana", prefere vinhos brancos — a seguir ao Alvarinho, elege o Encruzado e o Arinto — e aproveita todas as oportunidades para "conversar com produtores e enólogos".

"Propus-me registar todos os Alvarinhos feitos em Portugal. Pensava que eram aí uns 100." Quando deu conta já havia provado 200 vinhos, esta semana o blogue contava os tais 370 vinhos, de colheitas que recuam a 2009, e, na garrafeira, João Paulo já tem mais dez para provar nos próximos tempos. "Consigo facilmente chegar aos 400." Pontua todos os vinhos que prova e já atribuiu um e dois pontos a alguns. Só lhe faltam Alvarinhos do Dão, da Madeira e dos Açores — existirão?

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O autor do blogue "Senhor Alvarinho", João Paulo Meneses, é hoje jornalista freelancer, mas trabalhou na TSF durante 25 anos e, antes disso, no final dos anos de 1980, foi chefe de redacção na Rádio Nova Nelson Garrido

O projecto, afiança, "é completamente independente" e "não tem qualquer objectivo comercial". Os vinhos, compra-os quase todos ele (já há produtores que lhe enviam amostras, o que, confidencia, lhe causa algum desconforto; "prefiro ser eu a comprar"). Compra os Alvarinhos em garrafeiras online, supermercados e outros pontos de venda mais específicos. E refere a restauração de Monção e Melgaço como "o melhor sítio para encontrar Alvarinhos".

Foi no Solar do Alvarinho, em Melgaço, que encontrou o vinho de um pequeno produtor que o surpreendeu: Encostas dos Sobrais. "Só vende lá, tem uma produção [anual] de 2000 garrafas e está completamente fora de qualquer circuito. Faz este vinho [tranquilo] e um espumante. Dei-lhe nota 9 e fui visitá-lo depois." Faz questão de visitar aqueles que "valem a pena".

Numa garrafeira online, encontrou uma colheita tardia de Alvarinho, edição limitada e especial, que despertou a sua curiosidade e ao qual deu nota máxima, o único vinho com 10 pontos no Senhor Alvarinho: Quinta de Santiago Rascunho Late Harvest 2015. Feito por Abel Codesso, o vinho da Quinta de Santiago, projecto familiar que tem na dinâmica Joana Santiago o principal rosto, deixou-o encantado. "Para mim, o Abel é o melhor enólogo a trabalhar o Alvarinho em Portugal."

Já calhou de conhecer o técnico, abordou-o na Feira do Alvarinho de Monção e ficou a saber que naquele ano a chuva só caiu em Monção quando chegou o mês de Dezembro, o que permitiu que a podridão nobre "atacasse" as uvas, e que só foram feitas "2000 garrafas" do late harvest. "Quando escrevi sobre este vinho, não havia mais referências a ele. Fico satisfeito por poder divulgar vinhos que, de outra forma, o consumidor não conheceria", explica o jornalista.

Sobejamente conhecida é a Quinta de Soalheiro, o produtor por quem tem "maior admiração." "São superfiéis ao seu projecto. São de Melgaço e fazem vinho em Melgaço. E, depois, têm aquela ideia do clube de produtores, que é muito interessante. Não se dispersam e fazem coisas muito originais e com muita qualidade."

É, contudo, no Douro que nasce o Alvarinho tranquilo que até à data mais o impressionou: o Poeira, um vinho de Jorge Moreira (enólogo da Real Companhia Velha e da Quinta de La Rosa). "É muito bom." Daqueles que "em prova cega" enganam quem associa a casta apenas aos Vinhos Verdes, explica João Paulo.

Do Alentejo um amigo ofereceu-lhe um Herdade das Servas Alvarinho 2016 que pôs este "autodidacta" a pensar: "Estragou-se ou está uma maravilha?". "Estava uma maravilha. E eu, que sempre ouvi dizer que o Vinho Verde não valia a pena guardar, já vinha pensando nisso. E agora estou a guardar algumas garrafas, para provar daqui a cinco, seis ou mais anos."

Tanto prova vinhos caros como referências mais acessíveis ("tenho de fazer uma gestão financeira, mas também de tempo") e, em matéria de envelhecimento, tem feito a "experiência" de guardar um Alvarinho Reserva do Pingo Doce, feito por José Lourenço. "Estou a guardar uma garrafa por ano. Acho que daqui a uns anos vão estar fora de série", partilha, sublinhando que um dos critérios que segue é escolher vinhos que apresentarem "uma boa relação qualidade / preço".

O blogue, cujo nome registou, nasceu "como um gosto", mas o jornalista sente "uma certa responsabilidade" por continuar a alimentá-lo. "Penso que é o único projecto temático assim nos vinhos." Projecto que pode, no futuro, saltar as fronteiras da Internet. "Daqui a dez anos, terei 66 e, na reforma, quem diz o que poderá acontecer? Posso, por exemplo, organizar jantares vínicos."

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