Ou há moralidade ou comem todos!

Uma visão sobre os cuidados de saúde hospitalar no Oeste.

A construção de um hospital novo para a região Oeste, já há muito prometida pelos sucessivos governos, implica uma reflexão que deverá, no final, responder a três questões:

1. Será necessário investir nos cuidados de saúde hospitalar no Oeste?

Parafraseando Salgueiro Maia, basta ver “o estado a que chegámos” para não restarem dúvidas de que os hospitais das Caldas da Rainha e de Torres Vedras são manifestamente insuficientes e ultrapassados. Dir-se-ia que estão a precisar de uma verdadeira revolução. Ou seja, à primeira questão devemos responder com um forte "sim", é mesmo necessário investir nos cuidados de saúde hospitalar no Oeste.

2. Onde se devem localizar os cuidados de saúde hospitalar no Oeste?

Para responder a esta questão, importa lembrar que no Oeste temos duas cidades que se assumem como polos de atração regional. Caldas da Rainha, com mais população, está suficientemente distante de Lisboa para não ficar na sua zona de influência direta e tem Leiria e Santarém, as capitais de distrito mais próximas, a mais de 50 km de distância. Também por isso, as populações de Alcobaça e Nazaré, Bombarral e Cadaval, Rio Maior, Óbidos e Peniche estão habituadas a deslocarem-se às Caldas da Rainha para recorrer àquele tipo de serviços que, tradicionalmente, só existem nas cidades maiores.

A segunda grande cidade do Oeste é Torres Vedras. A proximidade de Lisboa tem feito aumentar a sua população. Apesar do risco de que essa proximidade pudesse tornar a cidade num “dormitório” de Lisboa, a verdade é que Torres Vedras tem sabido desenvolver-se e aproveitar as oportunidades que vão aparecendo, tornando-se, indiscutivelmente, no principal polo de atração da parte sul da região Oeste.

Os caldenses e os torrienses estão habituados a ter um nível de serviços ao qual não pode faltar um bom hospital. A procura existe e, se o Estado não garantir a oferta, será um chamariz para os privados. Não é, pois, possível que qualquer uma destas cidades fique sem um hospital com as valências adequadas à sua dimensão. As pessoas não deixarão de recorrer aos cuidados hospitalares que, necessariamente, continuarão a existir nas suas cidades, sejam eles prestados por hospitais públicos ou por hospitais privados.

Assim, terão de ser garantidos dois bons hospitais, com todas as valências adequadas, com as respetivas urgências hospitalares e com cuidados intensivos, ficando um nas Caldas da Rainha e outro em Torres Vedras.

3. Quem deve beneficiar e quem efetivamente beneficiará com a decisão política de construir um ou dois hospitais no Oeste?

Sendo necessário ter dois bons hospitais no Oeste, fornecendo a oferta de cuidados de saúde onde está (e estará) a procura por esses mesmos cuidados, ficaria um nas Caldas, que estenderia o seu serviço às populações mais a norte do Oeste, para aliviar a pressão no já sobrelotado hospital de Leiria, e o outro em Torres, que serviria as populações mais a sul, aliviando os sempre congestionados hospitais da Grande Lisboa. Esta opção implicaria um investimento inicial maior, mas esses dois equipamentos novos representariam um ganho em termos de custos de manutenção ao substituírem os dois hospitais mais antigos que existem nas duas cidades.

Esta solução beneficiaria mais as populações, apesar de impor um custo inicial mais elevado ao Estado, e beneficiaria menos os grupos privados.

A outra hipótese passa por construir apenas um hospital novo. Esse novo hospital, a construir nas Caldas ou em Torres, teria que implicar um grande investimento no aumento e na modernização do hospital da cidade não contemplada. Caso contrário, essa cidade tornar-se-ia num alvo para os grupos de saúde privados, obrigando a maioria da sua população a ter de recorrer a seguros de saúde que lhe permitisse aceder a um hospital, ainda que privado, na sua cidade. Construir apenas um hospital implicaria ver qual dos dois hospitais existentes, nas Caldas e em Torres, é que apresenta as melhores condições para ser aumentado e modernizado, potenciando a sua capacidade, quer em espaço quer em recursos humanos e tecnológicos.

Esta até pode ser a solução mais exequível em termos de investimento inicial, mas, para beneficiar de forma igual as duas maiores manchas populacionais do Oeste, terá de ser acompanhada do tal investimento no aumento e na modernização do hospital que não for substituído pelo novo. Nesse caso, sim, as populações sairiam claramente beneficiadas e os grupos privados só beneficiariam se não houvesse esse investimento.

Outra hipótese de que se tem falado seria construir um único hospital entre Caldas da Rainha e Torres Vedras, nomeadamente na vila do Bombarral, que muito estimo, para que servisse todo o Oeste. É uma solução feita a régua e esquadro que não é uma opção viável se olharmos às lógicas próprias das comunidades que se pretende servir (desde logo por ser mais difícil atrair bons médicos e outros profissionais de saúde para um hospital fora dum centro urbano). Tratar-se-ia de criar oferta onde não existe (nem existirá) a principal parte da procura. Esta opção seria um convite ao investimento dos grupos privados para construírem hospitais nas Caldas e em Torres, o que faria com que a maioria da população nem sequer passasse a usufruir, com regularidade, do hospital novo no Bombarral.

Esta solução seria a que menos beneficiaria a população em geral do Oeste, por três razões: i) à exceção das boas gentes do Bombarral, a população do Oeste tenderia a procurar os hospitais privados que se instalariam nas duas grandes cidades oestinas; ii) seria a solução que implicaria uma relação custo/benefício mais danosa para o Estado, uma vez que seria um grande investimento para uma pequena utilização; iii) seria, por fim, a solução que mais beneficiaria os grupos privados de saúde que passariam a ter à sua disposição, servidos de bandeja, os dois principais mercados do Oeste. Nada me move contra os hospitais privados, mas a sua oferta deve ser complementar à do serviço nacional de saúde e não potenciada pelo desaparecimento deste. A considerar-se esta hipótese, apetece dizer que mais valia uma ou duas Parcerias Público-Privadas às claras, do que criar, de forma dissimulada, as condições ideais para que sejam só os grupos privados de saúde a ficar com o lucro todo. E, como diz o povo, ou há moralidade ou comem todos!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar