Saudosismos políticos

O novo tipo de saudosismo, que aqui apresento, é o geringoncionismo. Possivelmente não será registado na história com este difícil nome. Mas é o tipo de saudosismo que importa valorizar.

Portugal é um País de Saudades, nos mais diversos domínios. Só no domínio da política podem contar-se vários tipos de saudosismos abrangendo os vários períodos da nossa longa história como país.

Por ordem cronológica, o primeiro tipo de saudosismo, iniciado no final do século XVI é, claramente, o sebastianismo. Depois de um século de glória de Portugal com as Descobertas faltava de repente o rei. Esperava-se que chegasse com o nevoeiro às praias de Portugal. Nunca chegou, mas o sebastianismo ficou, como um primeiro género de saudosismo, a marcar o país até aos dias de hoje. Não tem data para ser comemorado porque os sebastianistas nunca perdem a esperança, embora não acreditem muito nela.

O segundo tipo de saudosismo é o restauracionista. Celebra-se no 1.º de dezembro, lembrando o final do reinado dos Filipes em 1640. É um tipo de saudosismo já bastante esquecido em Portugal, depois de termos ultrapassado o estigma de que “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”. O saudosismo restauracionista só subsiste nos invejosos independentistas catalães que não conseguiram, naquela altura, a independência de Castela que Portugal conquistou. Numa fase da civilização e de construção da Europa em que todos dependem de todos e são reconhecidas as diferenças e identidades culturais o saudosismo restauracionista perdeu a sua razão.

O terceiro tipo de saudosismo é o salazarismo. Ainda existe, mantido por alguns sectores muito minoritários e inesperados, apenas com maior aderência nalguns taxistas que se acham obrigados a uma conversa de dizer mal da situação atual durante os minutos em que têm tempo de antena e público pagante. Este saudosismo tem desaparecido naturalmente perante a evidência inegável do progresso que o país teve depois do abandono da política do “orgulhosamente sós”.

O quarto tipo de saudosismo é o abrilismo. O 25 de abril marcou uma geração, a minha, que acreditou nas promessas revolucionárias de um Homem Novo, de uma sociedade democrática a caminho do socialismo, de uma Constituição que apontava no sentido do desenvolvimento e justiça social com “a paz, o pão, saúde, educação” numa (en)cantada “terra da fraternidade”. Com algumas promessas cumpridas e muitas por cumprir, considero-me um saudosista desse abrilismo de uma utopia desejada. Mas o tempo passa, já se vai preparando a festa dos 50 anos, e pode correr-se o risco de se esbater esse saudável saudosismo, transformando-se num novo sebastianismo.

O quinto e novo tipo de saudosismo, que aqui apresento, é o geringoncionismo. Possivelmente não será registado na história com este difícil nome. Mas é o tipo de saudosismo que importa valorizar. Por ser a "geringonça" uma experiência muito recente, não tem ainda os problemas de perda de memória dos restantes tipos de saudosismo político. E tem a vantagem de podermos já ver os efeitos negativos do seu abandono.

Depois da "geringonça", o Governo do PS, atacado de um pandémico saudosismo independentista, parece não reconhecer já os seus antigos parceiros, obrigando-os a deixarem-no “orgulhosamente só”. Este comportamento de autismo voluntário, praticado com mestria por vários ministros, desde a Administração Interna de Eduardo Cabrita à Agricultura de Maria do Céu Antunes, parece agora até contagiar António Costa, que se julgava imune a esse vírus. E vão caindo, vítimas da falta de cuidados preventivos, sucessivos membros do Governo por razões que a melhor imaginação não conseguiria prever.

Como se faz para evitar atropelamentos noutros casos, a mensagem ao Governo deve agora ser: “Pare, Escute, Olhe”. Olhe para a "gerigonça" como uma alternativa séria que deu já provas. Considere e aproveite a coragem da disponibilidade que já foi anteriormente manifestada pelo Partido Comunista, pelo Bloco de Esquerda, e pelos Verdes na génese da "geringonça". E agora ainda terá o Livre e o PAN. Não deixe que se estabeleça o geringoncionismo como mais um saudosismo platónico. Talvez o PS ainda vá a tempo de retomar uma verdadeira alternativa socialista plural. Talvez consiga olhar para o novo Governo “geringonça” Lula como inspiração. Talvez 2023 seja bom conselheiro. O PS tem de voltar aos “princípios”. E tem de ter humildade. Mas essas deveriam ser as características permanentes de um governo socialista...

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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