Medicamentos órfãos e a realidade portuguesa

Para doenças raras ou ultra-raras, pela própria baixa prevalência, é muito difícil proceder ao recrutamento e envolvimento de uma centena de doentes para um ensaio clínico.

À luz do conhecimento atual, assume-se que existam entre 6000 e 8000 doenças raras distintas, sendo que com diagnóstico feito serão cerca de 500, e desde o ano 2000 foram concedidas 103 autorizações de introdução de medicamentos no mercado pela Agência Europeia do Medicamento.

Dessas cerca de 7000 doenças raras conhecidas em todo o mundo, 80%, ou quase 6000, são de etiologia genética, afetando ao nível do planeta cerca de 320 milhões de pessoas. Também neste contexto realce para o facto de, aproximadamente, 50% dos novos casos serem diagnosticados em crianças e de cerca de 30% morrerem antes de atingirem os 5 anos de idade.

Em Portugal, estima-se que existam entre 600.000 e 800.000 pessoas com doenças raras, que, comummente, são definidas por uma prevalência inferior a cinco em cada 10.000 pessoas. As doenças ultra-raras são definidas como uma doença com uma prevalência inferior a um doente por 100.000 pessoas.

Para a demonstração de eficácia e segurança de um novo medicamento é necessário desenhar um ensaio clínico que faça a sua comprovação, de modo evidente e sustentável. Contudo, se para o tratamento de uma doença comum é possível recrutar voluntários em número suficiente (podem ser algumas dezenas de milhar), já para doenças raras ou ultra-raras, pela própria baixa prevalência, é muito difícil proceder ao recrutamento e envolvimento de uma centena de doentes.

Com esta limitação, torna-se, pois, uma tarefa hercúlea a demonstração da eficácia e segurança da nova terapêutica, sendo expectável que os critérios de avaliação beneficiassem de uma diferenciação entre medicamentos órfãos e não órfãos, o que vai sendo uma realidade em alguns países europeus, mas não em Portugal.

Após a aprovação durante o corrente ano das novas orientações para avaliação farmacoterapêutica, constata-se que não é feita qualquer referência a medicamentos órfãos, para além de uma brevíssima citação, por duas vezes, das doenças raras, o que não deixa de ser curioso, pois estas orientações, por definição, destinam-se a avaliar terapêuticas, e não patologias.

Mas a Europa está em mudança e com o regulamento (UE) 2021/2282 pretende alcançar um elevado nível de proteção da saúde dos doentes e utilizadores, assegurando simultaneamente o bom funcionamento do mercado interno no que diz respeito aos medicamentos, aos dispositivos médicos e aos dispositivos médicos para diagnóstico in vitro. Prevê-se que a avaliação de medicamentos órfãos a partir de janeiro de 2028 seja realizada por multiestados, e neste contexto, questionamos, legitimamente, se não seria de bom senso iniciar a adequação nacional a estas futuras práticas?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar