Inspecção visual pode ser insuficiente para detectar tuberculose bovina

Estudo analisou dados de casos suspeitos e confirmados de tuberculose bovina detectados em Portugal durante uma década, entre 2010 e 2020.

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Desde 2015, há uma tendência de crescimento nos casos confirmados de tuberculose bovina em Portugal Miguel Manso

Investigadores do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) concluíram que apenas usar inspecção visual em bovinos mais jovens pode ser "insuficiente" para a detecção da tuberculose bovina, defendendo a importância da inspecção post mortem para identificar lesões.

Publicado na revista científica One Health, o estudo comprova a "importância da inspecção post mortem na identificação de lesões de tuberculose bovina, e o seu contributo para o respectivo plano de erradicação", segundo uma nota divulgada no site da Universidade do Porto.

O estudo, que contou com a colaboração da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), sustenta ainda a decisão da DGAV de "não implementar a proposta da legislação europeia de alteração do protocolo de inspecção sanitária de carne bovina".

A regulamentação europeia define, através do Regulamento de Execução 2019/627, novas regras nos controlos oficiais de géneros alimentícios, em particular, na inspecção sanitária de carnes. Eduarda Gomes Neves, docente do ICBAS, esclarece, citada na nota, que a regulamentação europeia prevê que "a inspecção sanitária da carne de bovinos possa ser tendencialmente visual nos animais até aos oito meses e entre os oito e os 20 meses, se estes forem criados em ambiente controlado, sem contacto com o meio exterior".

Estas alterações "podem ter impacto na detecção desta zoonose [doença ou infecção transmissível entre animais e seres humanos] e diminuir a eficiência do Plano Nacional de Erradicação da Tuberculose Bovina, em vigor desde 1991", sustenta ainda a nota.

No estudo, os investigadores analisaram dados (idade, sexo, condição física, raça, lesões) de casos suspeitos e confirmados de tuberculose bovina detectados durante o abate ao longo de dez anos (entre Outubro de 2010 e Janeiro de 2020), tendo concluído que "utilizar apenas a inspecção visual em bovinos mais jovens poderá ser insuficiente para a detecção da tuberculose bovina".

Entre os 3.279.548 animais abatidos nesse período, a inspecção em abate detectou 808 casos suspeitos, sendo que destes 381 foram confirmados em laboratório. A taxa de confirmação e o número de casos confirmados, segundo o estudo, atingiram valores mais altos em 2018 e 2019, tendo a tendência sido crescente de 2015 a 2020.

"A prevalência global estimada em dez anos foi de 11,6 casos por 100 mil bovinos", refere o estudo, notando que a prevalência da doença foi superior em fêmeas e em bovinos de corte.

"Com base nos resultados, não há evidência de impacto negativo na aplicação do Regulamento 2019/627 sobre vigilância de tuberculose bovina em animais com oito meses ou mais", contudo, defendem os investigadores, para o grupo de bovinos com menos de oito meses "a mudança de protocolo de inspecção visual pode levar a uma falha na detecção de casos".

"Um exame post mortem no matadouro constitui um método de vigilância adicional para detectar casos que podem ter sido perdidos em programas de testes anteriores", destacam os autores, notando que quase metade dos casos suspeitos detectados na linha de abate foram, posteriormente, confirmados como positivos em laboratório.

Para a investigadora e médica veterinária Eduarda Gomes Neves, "no contexto actual ainda não faz sentido suprimir a incisão nos tecidos dos animais com idade inferior a oito meses, sob pena de poder ser aprovada para o consumo humano carne de animais com lesões". "Fornecemos dados robustos que suportam a necessidade de manter os procedimentos anteriores, não flexibilizando, neste momento, a inspecção sanitária de bovinos", acrescenta a investigadora.

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