Fumar dentro de bares e discotecas vai ser “praticamente impossível” a partir de 2023

Com a entrada em vigor da nova portaria, “só os shoppings e os aeroportos terão condições financeiras” para cumprir os requisitos obrigatórios para manter uma sala de fumo a funcionar.

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Com a entrada no novo ano, as novas regras ameaçam banir o fumo dos espaços de animação e lazer Fábio Augusto (arquivo)

A partir do dia 1 de Janeiro fumar no interior de bares e discotecas vai ser praticamente impossível em Portugal, com a entrada em vigor da portaria que impõe requisitos muito mais exigentes de ventilação para as salas de fumo, com condições e custos incomportáveis para a generalidade dos proprietários.

Se em relação aos bares pouco muda com a entrada no novo ano, já que “em 90% destes espaços existentes no país já não se fuma”, como refere Ricardo Tavares, presidente da Associação Portuguesa de Bares, Discotecas e Animadores (APBDA), nas discotecas o impacto será maior. “Safam-se apenas as que dispõem de espaços exteriores”, na óptica daquele responsável.

“Em zonas como o Bairro Alto, em Lisboa, ou na Baixa do Porto, há espaços no exterior para onde as pessoas podem levar o seu copo e fumar e as discotecas que têm zona exterior também estão salvaguardadas”, diz ainda o presidente da APBDA, admitindo que, para as discotecas sem zona exterior própria, seja possível negociar com as respectivas autarquias a delimitação na via pública de espaços para o efeito. “Seria criar uma pequena zona, como se fosse uma esplanada para as pessoas fumarem, como acontece em Madrid e Barcelona e um pouco também em Paris”, concretiza.

Apesar de reconhecer que as novas regras são “um pouco ingratas e difíceis” para os proprietários de bares e discotecas, Ricardo Tavares reconhece que elas estão longe de constituir novidade. “O processo já se arrasta há muitos anos e tinha várias fases, portanto, não é surpresa para ninguém. De resto, nos restaurantes já não se fuma e na maior parte dos bares também. E nós sabemos que, nalguns países, tornou-se proibido fumar até dentro dos carros das pessoas", acrescenta.

Em Portugal, as salas de fumo em espaços públicos continuam a ser teoricamente possíveis, mas apenas quando seja cumprida uma extensa lista de condições, que vinham sendo anunciadas desde que, em 2015, se fez a primeira actualização à lei do tabaco de 2007. Na altura, a lei apontava já a interdição total de fumar em espaços públicos fechados, mas concedia um prazo de cinco anos para que os restaurantes que tinham feito o investimento inicial para acomodar os fumadores dentro do seu estabelecimento o pudessem amortizar.

Por causa da pandemia, porém, a portaria acabou por ser publicada apenas em Junho de 2022 e entre as condições que impõe inscreve-se desde logo que a criação de uma sala de fumo só será possível nos estabelecimentos (bares, discotecas e restaurantes) com pelo menos 100 metros quadrados na área dedicada aos clientes e um pé-direito de três metros. As salas de fumo não podem ocupar mais do que 20% da área dedicada aos clientes e têm de ficar delimitadas por uma antecâmara com pelo menos quatro metros quadrados, devidamente ventilada e com portas automáticas de correr na entrada e na saída.

Quanto aos equipamentos de insuflação e extracção, o caudal de ar novo exterior a insuflar tem de corresponder a um mínimo de dez renovações por hora, tendo os sistemas de ventilação de se enquadrar num plano de manutenção “validado por um engenheiro ou por um engenheiro técnico com especialização em engenharia de climatização”.

“Só os aeroportos e os shoppings é que poderão ter aqueles equipamentos que custam dezenas de milhares de euros e cuja manutenção mensal custa largos milhares de euros também”, insiste Ricardo Tavares, para quem a lei vem na prática banir a possibilidade de se fumar na generalidade dos espaços de animação e lazer. “É praticamente impossível que uma discoteca ou bar disponham de condições financeiras para assegurar uma coisa destas”, acrescenta, para concluir que, “do mesmo modo, será praticamente impossível fumar dentro daqueles espaços”.

Mais de 13 mil mortes por tabaco

Em 2019 morreram em Portugal mais de 13.500 pessoas por doenças atribuíveis ao tabaco (cerca de 1700 por exposição ao fumo passivo), segundo as estimativas que surgem plasmadas no relatório de 2020 do Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo, divulgado em meados do ano passado. Naquele mesmo ano, estima-se que o tabaco tenha contribuído para 32,6% dos óbitos por doença respiratória crónica, 19,1% das mortes por cancro e para 8,5% para as mortes relacionadas com doenças cérebro-cardiovasculares.

Dados do Inquérito Nacional de Saúde de 2019 mostram que 17% da população residente em Portugal com 15 ou mais anos era fumadora, menos três pontos percentuais do que em 2014. Daqueles, 1,3 milhões de pessoas (14,2%) fumavam diariamente e 248 mil ocasionalmente.

Entre os jovens com idades entre os 13 e os 18 anos houve uma diminuição do consumo de tabaco tradicional, embora com aumento de consumo de tabaco para cachimbo de água (sisha) e de tabaco aquecido.

É no âmbito destes novos hábitos de consumo que Ricardo Tavares admite que possam ser feitos “alguns ajustes” à lei que entra agora em vigor. “Em todos os países onde o fumo foi banido, quem fuma sisha ou vaporizadores pode fumar no interior dos estabelecimentos. Em Portugal, porque a Tabaqueira tem um grande lobby, não se pode fumar nada, mas acredito que a lei vá sofrer ajustes, porque não faz sentido: a sisha não tem nicotina e os vaporizadores também não causam qualquer problema ao ambiente”, sustenta.

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