Hospitais e casas funerárias chinesas sob pressão: “Quase todos os doentes têm covid”

Levantamento das restrições pandémicas provoca vaga descontrolada da doença no país asiático. Vários Governos devem apertar regras para a entrada de cidadãos vindos da China.

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Hospital na cidade de Chengdu nunca esteve "tão agitado", dizem os enfermeiros Reuters/TINGSHU WANG

Com a nova vaga de covid-19 que está a varrer a China a levar ao limite os meios e recursos sanitários do país, os hospitais e as casas funerárias chinesas estavam debaixo de enorme pressão nesta quarta-feira, situação que, somada às dúvidas sobre a verdadeira escala do surto e dos números oficiais de infectados, levou alguns Governos a considerarem a imposição de restrições de viagem a cidadãos chineses.

A China começou a desmantelar no início deste mês a chamada política “covid zero” – uma das abordagens de contenção da doença mais restritivas do mundo, assente em confinamentos rigorosos e na testagem em grande escala da população – e prepara-se para reabrir quase totalmente a sua economia no início de 2023.

Como se esperava, até por se tratar do país mais populoso do mundo, o alívio das restrições – que surgiu na sequência de protestos sem precedentes contra o regime chinês – está a fazer com que a covid-19 se esteja a espalhar de forma quase descontrola dentro da China. Alguns especialistas internacionais de Saúde falam mesmo em milhões de novos casos por dia.

A rápida disseminação do coronavírus está a causar enormes problemas e a sobrecarregar um serviço nacional de saúde que é considerado deficitário.

As autoridades sanitárias chinesas confirmaram três mortes por covid-19 na terça-feira e uma morte na segunda-feira, mas os números parecem não bater certo com o número de mortos registados pelas casas funerárias, nem com aquilo que aconteceu em países bastante menos populosos depois de levantarem as suas restrições.

A decisão da Comissão Nacional de Saúde chinesa, conhecida no domingo, de deixar de publicar informações diárias sobre infecções e mortes também torna impossível saber ao certo a verdadeira evolução da covid-19 na China.

“Muitos morreram de covid”

Os funcionários de Huaxi, um enorme hospital da cidade de Chengdu, no Sudoeste da China, assumem que estão “extremamente atarefados” com doentes com covid-19.

“Faço este trabalho há 30 anos e [esta situação] é a mais agitada que alguma vez conheci”, diz um condutor de ambulância, às portas do hospital, que recusou identificar-se.

Na terça-feira à noite havia longas filas do lado de fora do edifício junto às urgências e numa clínica adjacente. Muitos daqueles que chegavam de ambulância recebiam oxigénio para os ajudar a respirar.

“Quase todos os doentes têm covid”, garante uma funcionária do departamento de farmácia das urgências de Huaxi, acrescentando que o hospital não tem armazenado medicamentos para a covid-19 suficientes e apenas pode prescrever remédios para sintomas específicos, como a tosse.

Os parques de estacionamento em redor da casa funerária de Dongjiao, uma das maiores em Chengdu, estavam lotados. As procissões fúnebres sucediam-se, à medida que o fumo do crematório se espalhava pelo céu.

“Estamos a fazer isto 200 vezes por dia”, diz um funcionário funerário. “Estamos tão atarefados que nem temos tempo para comer. Tem sido assim desde a reabertura. Antes disso, tínhamos 30 a 50 cerimónias por dia.”

“Muitos morreram de covid”, diz outro funcionário

No Nanling, um outro crematório de Chengdu, privado, os funcionários estavam igualmente atarefados.

“Nos últimos tempos, tem havido muitas mortes por covid”, afirma um deles. “Os compartimentos para cremação estão todos reservados. Só é possível marcar para o ano novo.”

O Governo chinês diz que apenas contabiliza como mortes causadas por covid-19 aquelas que resultarem de pneumonia ou de insuficiências respiratórias em pessoas que tenham a doença.

Zhang Yuhua, uma representante do hospital Chaoyang, em Pequim, diz que a maioria dos pacientes são idosos ou pessoas em estado crítico que sofrem de doenças preexistentes. Zhang diz que o número de doentes que está a receber tratamento de emergência subiu de 100 para 450 a 500, por dia, segundo a imprensa estatal.

A clínica para tratamento de febre do hospital Amizade China-Japão, também na capital chinesa, está igualmente “lotada” com doentes idosos.

Foi pedido aos enfermeiros e médicos para trabalharem mesmo que estejam doentes e alguns profissionais de saúde já reformados do interior do país foram recontratados, para ajudar.

Em algumas cidades chinesas também há relatos de falta de medicamentos.

Restrições de viagem

Outra das medidas anunciadas pelas autoridades chinesas esta semana foi o fim da exigência de quarentena, a partir de 8 de Janeiro de 2023, para quem entra na China.

O importante centro financeiro de Hong Kong também anunciou, esta quarta-feira, que vai eliminar a maioria das restrições de covid que ainda estão em vigor.

Apesar de as agências de viagens perspectivarem que o regresso aos números anteriores à “covid zero” ainda vai demorar alguns meses, a procura de voos para fora da China atingiu um pico na terça-feira, depois de anos de pesquisas online muito reduzidas.

Mas por causa desta vaga de covid-19 no país, e do receio de novas variantes, muitos governos estão a considerar a imposição de restrições de viagem para quem vem da China.

Representantes do Governo norte-americano, por exemplo, dizem que a “falta de informações transparentes” sobre o número de infectados justifica essas medidas.

A Índia, Taiwan, o Japão e as Filipinas vão exigir testes negativos à covid-19 para os viajantes da China continental e aqueles que testarem positivo no Japão serão obrigados a ficar uma semana em isolamento.

O Governo japonês também planeia impedir que as companhias aéreas aumentem em demasia o número de voos da China.

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