Espanha aprova fim do crime de sedição e baixa penas por desvio de fundos públicos

A lei foi negociada entre o governo do PSOE e do Unidas Podemos com um partido independentista da Catalunha. Dela também constava a renovação do Tribunal Constitucional, mas essa parte não se votou.

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Pedro Sánchez acusa o PP de querer subverter a democracia, os populares respondem que inventou uma manobra de distracção JUAN CARLOS HIDALGO/EPA

O Senado espanhol aprovou a eliminação do crime de sedição e a redução de penas para o crime de desvio de fundos públicos, uma reforma feita à medida dos implicados no procés catalão e que gerou enorme controvérsia política.

As mudanças no Código Penal foram aprovadas pelo PSOE e por alguns partidos regionais, mas até entre socialistas o pacote legislativo causou desconforto. Já entre os dois principais partidos independentistas da Catalunha registou-se mesmo uma divisão total: a Esquerda Republicana (ERC), de Oriol Junqueras, com quem o PSOE negociou a lei, votou a favor, enquanto o Junts, de Carles Puigdemont, votou contra.

Ao abrigo das novas regras, o crime de sedição desaparece e é substituído pelo de desordem pública agravada, com penas entre os seis meses e os cinco anos de prisão e entre seis a oito anos de impedimento de exercer cargos públicos. Uma vez que em Espanha as leis que beneficiam os réus têm efeito retroactivo, os políticos independentistas catalães que foram julgados e condenados por sedição poderão beneficiar directamente e ver as suas penas reduzidas.

No caso do desvio de dinheiro público por funcionários ou responsáveis políticos, o Código Penal passa agora a distinguir os acusados consoante se o fazem para enriquecimento próprio ou não. Com esta mudança, os implicados no procés seriam responsáveis por ter usado dinheiro público num fim “diferente daquele a que estava destinado”, causando prejuízo ao “serviço a que estava consignado” – caso em que as penas de prisão aplicáveis são de um a quatro anos e não de um máximo de 12, como até agora.

O Governo de Pedro Sánchez concedeu indultos a cinco políticos catalães condenados por sedição que estiveram envolvidos na organização do referendo à independência da Catalunha, em Outubro de 2017, considerado ilegal pela Justiça espanhola. As suas penas de prisão já estão, por isso, revogadas, mas as novas disposições do Código Penal permitem eliminar as penas de inabilitação política. Outros três responsáveis que saíram de Espanha também veriam a acusação de sedição desaparecer.

No caso daqueles que respondiam tanto por sedição como por desvio de fundos públicos, como Junqueras e Puigdemont, a situação é mais bicuda, uma vez que o entendimento jurídico até agora é o de que um crime não se processou, nem se podia processar, sem o outro.

Inicialmente, da reforma agora aprovada no Senado fazia também parte a renovação do Tribunal Constitucional e do Conselho Geral do Poder Judicial, uma novela que se arrasta há quatro anos sem fim à vista devido a divergências entre o Governo e os juízes conservadores dos dois órgãos sobre o método ideal para fazer essa renovação. Na terça-feira, o Constitucional bloqueou a discussão e votação dessa parte da lei, numa decisão considerada “sem precedentes”.

O PSOE culpou o PP pela crise institucional, uma vez que o partido liderado por Alberto Feijóo apresentou uma providência cautelar contra a apreciação da reforma no Parlamento.

No Senado, porém, o PP e o Cidadãos acusaram Sánchez de ter usado a controvérsia com o Tribunal Constitucional como cortina de fumo para que as outras mudanças ao Código Penal passassem despercebidas.

Além disso, a votação decorreu em dia de sorteio da lotaria de Natal, que é um acontecimento que domina todos os noticiários. “Não era uma questão de urgência, era uma questão de vergonha votar uma lei destas num dia destes”, afirmou o porta-voz do PP no Senado, Javier Maroto, acusando Sánchez de não cumprir as promessas eleitorais de que não indultaria nem governaria com independentistas.

“Há um elefante no Senado. Como é que Sánchez o escondeu de 47 milhões de espanhóis? Provocando uma correria de elefantes, bisontes e gnus. Estamos há uma semana a falar do Tribunal Constitucional! Foi uma manobra inteligente e maquiavélica”, disse Miguel Sánchez, do Cidadãos, citado pelo El País.

Do lado socialista, Josér María Oleaga centrou-se no conflito entre as instituições, mas acabou por concluir: “Há cidadãos com dúvidas, é lógico, mas há que pôr as coisas em perspectiva. Toda a gente concordará que a convivência na Catalunha melhorou.”

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