Quer espreitar o futuro com alterações climáticas? Use um jogo de realidade virtual

Miami 2040 é um videojogo que incorpora as alterações climáticas, criando futuros alternativos, e foi apresentado na COP27. Mas não é o primeiro do género.

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As pressões e os impactos das alterações climáticas já estão a fazer o seu caminho para uma gama crescente de videojogos comerciais GettyImages

Estamos em 2040 em Miami, e um poderoso furacão inundou a cidade. Você está sozinho debaixo de um céu escuro e vaticinado, com ondas de altura elevada, um carro abandonado a flutuar nas proximidades de um dos poucos objectos visíveis na extensão da água. Um robô em forma de bola paira então à vista, incitando-o a pegar num disco rígido de computador do carro. Uma vez inserida a unidade no robô, é retirado do cenário assustador e volta para a segurança.

A cena é de um jogo de realidade virtual imersiva desenvolvido para o Centro de Resiliência da Fundação Adrienne Arsht-Rockefeller (Arsht-Rock), como parte dos esforços crescentes para dar aos decisores políticos uma ideia visceral do que as suas decisões sobre as alterações climáticas hoje podem significar no futuro, para o bem ou para o mal.

"As pessoas não se apercebem de como será a sua cidade em 2040 se não encontrarmos uma série de soluções climáticas", afirma Nidhi Upadhyaya, directora-adjunta do centro baseado nos Estados Unidos. Utilizando a realidade virtual, "podemos fazê-los ver o que vai acontecer".

Os especialistas do clima lutam há muito para ajudar as pessoas a ver e compreender emocionalmente os futuros prováveis à medida que o planeta aquece, tanto os distópicos como os potencialmente positivos – a energia barata e limpa, as economias prósperas, a natureza e as pessoas saudáveis, que poderiam ser possíveis com uma rápida mudança para longe dos combustíveis fósseis. Mas a realidade virtual – particularmente os jogos que colocam os controladores nas mãos dos utilizadores, deixando-os tomar decisões e ver as consequências – está a mudar isso.

"A realidade virtual é um meio muito poderoso – especialmente se é a primeira vez que se experimenta", explica Chance Glasco, produtor do jogo Arsht-Rock e um dos que o exibiram nas negociações climáticas da COP27 das Nações Unidas no Egipto no mês passado.

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Imagem do jogo Miami 2040 DR

"É espantoso o que se pode fazer – é como ser transportado para outro destino", descreve também o animador, que contribuiu anteriormente para o desenvolvimento de uma série de jogos de vídeo comerciais muito vendidos, incluindo o Call of Duty.

Na COP27, aqueles que quiseram ter esta experiência variaram desde uma delegação de funcionários do governo indiano – que disseram a Upadhyaya que viam os jogos de realidade virtual como uma grande ferramenta para treinar funcionários para diferentes cenários – até um xeque que ficou impressionado ao ser imediatamente transportado para os Estados Unidos.

“Estou na América! Eu sempre quis ir à América” exclamou, com os controladores na mão, enquanto navegava através de várias cenas incluindo uma Miami futurista com painéis solares, carros eléctricos e uma estação de carregamento de veículos eléctricos da Mobil [empresa petrolífera].

Videojogos para criar consciência

As pressões e os impactos das alterações climáticas já estão a fazer o seu caminho para uma gama crescente de videojogos comerciais, afirma Chance Glasco – dando a alguns dos 3 mil milhões de jogadores do mundo uma experiência quase tangível em primeira mão de vários cenários sobre o futuro.

Floodland, um jogo de sobrevivência cujo cenário é um mundo afogado pelas alterações climáticas, lançado no mês passado, é um exemplo. SimCity, um jogo de construção de mundo de longa data e muito popular, acrescentou os impactos das alterações climáticas já há uma década.

Martial Arts Tycoon, desenvolvido pelo estúdio privado de Glasco, permite aos jogadores gerir um ginásio de artes marciais, com treino feito em parte nos telhados das famosas favelas do Brasil. À medida que as temperaturas aquecem, os lutadores em treino têm maiores hipóteses de esgotamento do calor, prejudicando a sua agilidade. Mas investir em coberturas de sombra e dar muita água aos lutadores limita os danos.

As ondas de calor no jogo recebem nomes e classificações – da mesma forma que os furacões e as tempestades tropicais são actualmente nomeados a nível global –, uma mudança que Arsht-Rock espera trazer ao mundo real para melhorar a consciência dos riscos de calor extremo que se agravam rapidamente.

Chance Glasco considera que a ideia não é construir videojogos sobre as alterações climáticas, mas sim tornar as alterações climáticas numa realidade nos jogos de uma forma que aumente a consciência das mesmas alterações que acontecem no mundo cá fora.

“Se um milhão de pessoas jogarem este jogo e forem introduzidas no sistema de classificação das ondas de calor, assim que as classificações forem divulgadas nas notícias, dirão ‘eu devia ficar dentro de casa’”, observa Glasco, membro sénior da Arsht-Rock.

Um potencial investimento dos decisores políticos

O protótipo do jogo Miami 2040 foi montado a baixo preço em menos de três meses, mas os jogos de alta especificação podem custar mais de 100 mil dólares (quase 95 mil euros), ou milhões para um produto comercial.

Ainda assim, Arsht-Rock acredita que a capacidade da tecnologia para tornar os riscos e oportunidades das alterações climáticas poderosamente reais irá impulsionar investimentos em jogos semelhantes por parte de organismos governamentais, empresas, organizações sem fins lucrativos, entre outros.

A fundação abriu um centro de jogos com o objectivo de criar os seus próprios projectos e ajudar outras organizações a expandir o género, como parte de um impulso mais amplo para reforçar uma política climática eficaz e construir resiliência aos impactos. "Queremos que todos os decisores políticos tentem isto", afirma Upadhyaya. Muitas pessoas estão agora conscientes de que os riscos das alterações climáticas estão a crescer, “mas esta é uma forma mais rápida de os informar”, acrescenta.

Glasco brinca que começa a interrogar-se sobre o poder que os novos jogos de realidade virtual têm na realidade. Na primeira vez que mostrou o jogo Miami 2040, numa viagem a Washington D.C., o furacão Ian bateu na sua casa na cidade de Orlando, na Florida, forçando-o a regressar à sua casa por ruas inundadas.

Um mês e meio depois, no dia em que começou a exibir o videojogo na COP27 no Egipto, outro furacão atingiu a sua casa. "Pode ser "um jogo de manipulação do tempo", graceja. "Se acontecer mais vezes, talvez tenha de o atirar do meu telhado – para salvar a Florida."

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