Lisboa na encruzilhada: as pontes e os muros de um orçamento municipal

Carlos Moedas tem contado com a benevolência de todos, mas o facto de ter tido dois orçamentos viabilizados não significa que tal venha a suceder em 2023. Fica esse alerta com a devida antecedência.

O Partido Socialista na Assembleia Municipal absteve-se na proposta do Orçamento da Câmara Municipal de Lisboa (CML) para o ano de 2023. Com este sentido de voto viabilizou-se o orçamento municipal apresentado por Carlos Moedas, presidente da autarquia, contribuindo desta forma para o não agravamento das condições de governabilidade da cidade de Lisboa.

A abstenção dos socialistas – face a uma política orçamental que não plasma as linhas orientadoras que defendemos para a cidade – não significa uma mera tomada de posição por questões de tática política. É, isso sim, uma demonstração de responsabilidade e de compreensão abrangente da realidade com que os munícipes se deparam e a necessidade urgente de dar continuidade a um conjunto de obras e iniciativas que o anterior executivo socialista vinha preparando e executando, respeitando calendarizações e cadernos de encargos, como por exemplo o célebre Plano de Drenagem de Lisboa.

Carlos Moedas é o presidente da CML, está ao leme da cidade, e tem tido todos os instrumentos necessários para gerir a cidade viabilizados pela maioria de esquerda na Assembleia Municipal de Lisboa (AML). Mas reclama, por tudo e por nada, que o não deixam governar.

Torna-se, nas suas palavras, uma vítima da política, dos políticos, dos que em vez de defenderem as “pessoas” dificultam, atrapalham, protelam e o impedem de exercer o seu cargo, de tomar medidas. Tudo isto em sucessivas aparições na comunicação social num estilo retro “Topo Gigio”, por vezes perto do “Calimero”.

O presidente da câmara municipal pretende governar Lisboa como se a cidade fosse única e exclusivamente governada pelos Paços do Concelho. Mesmo aí não dispõe de maioria e, nesse órgão autárquico, coexistem 17 vereadores, de vários partidos e formações políticas.

Refere frequentemente que foi eleito, esquecendo também que existem 24 territórios da sua cidade, as freguesias, que são parceiros da câmara, e cujos presidentes de junta de freguesia têm a mesma licitude política que ele próprio. Também na Assembleia Municipal de Lisboa não dispõe de maioria, nem estabeleceu pontes com a maioria das 13 forças políticas aí representadas que – com legitimidade própria que resulta de uma eleição direta pelos lisboetas – querem ser parceiros na caminhada por uma Lisboa, com presente e de futuro.

Carlos Moedas sabe seguramente que, nas relações humanas, construir pontes significa procurar o diálogo, trabalhar para conseguir entendimentos, valorizar o que nos une em detrimento do que nos separa, chegar a consensos. É esta, sem qualquer margem para dúvidas, a melhor maneira de tentar chegar às melhores soluções.

Reside aí um dos problemas, pois Carlos Moedas não deu, até ao momento, passos concretos para construir pontes com as outras forças políticas que, nos vários órgãos autárquicos, representam também os lisboetas. Aqui ficam dois exemplos muito concretos dessa falta de vontade e disponibilidade:

Não basta, ao abrigo do estatuto do direito de oposição previsto na legislação, chamar os partidos políticos para os auscultar no âmbito do orçamento municipal. Porque auscultar, ausculta… mas depois ignora esses contributos.

Da mesma forma que não é sério, como sucedeu no âmbito da aprovação do orçamento do ano ainda em curso, assumir a concretização de compromissos e depois pura e simplesmente não os cumprir. Foi o caso, refira-se, da implementação de um programa para a redução progressiva dos valores pagos pelas famílias com creches em Lisboa, proposta apresentada pela vereação socialista e aprovada pelo executivo municipal.

O Partido Socialista, hoje como ontem, está sempre disponível para o diálogo e para a articulação de políticas que permitam a melhoria de vida de todos aqueles que vivem e trabalham em Lisboa. Sem abdicar de liderar Lisboa em muitos dos seus territórios, mais concretamente nas juntas de freguesia, não abdicará igualmente de procurar as pontes e privilegiar o diálogo de servir Lisboa, sem dogmatismos e sem populismos.

Cientes da sua história, das suas causas, da cidade que receberam e que deixaram, da Lisboa que sonham e querem, solidária, inclusiva, com mobilidade e segurança, para todos e com todos, os socialistas estarão sempre de porta e luz aberta para a construção do futuro comum. Mas o tempo passa e o presidente da câmara municipal tarda em dar sinais concretos de que compreende que os resultados das últimas eleições autárquicas tornam imperativo que dialogue e incorpore na governação da cidade os contributos de outras visões políticas.

Carlos Moedas tem contado com a benevolência e a paciência de todos, mas o facto de ter tido dois orçamentos viabilizados não significa que tal venha a suceder no próximo ano. Dar isso como um dado adquirido é um erro político e fica esse alerta com a devida antecedência.

Para o futuro espera-se uma forma diferente de fazer política. Quem não compreender – como parece ser o caso do edil da cidade – a necessidade de, efetivamente, contar com as ideias de outras sensibilidades para a definição de políticas para a cidade, não compreende que está apenas a prejudicar Lisboa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar