Cartas ao director

O agradecimento

Fez na madrugada de quarta-feira um mês que morreu em Lamego aquele que conheci como sendo o mais fiel leitor do PÚBLICO.

Durante 32 anos comprou-o diariamente no mesmo quiosque, que o reservava religiosamente, mesmo que ele não aparecesse para o levantar, nesses dias era certo que ficaria com dois exemplares, um comprado num qualquer lugar por onde andasse e o que o quiosque lhe entregava quando por lá passasse num outro dia. Ainda que se ausentasse de férias, não suspendia este ritual, porque era importante não prejudicar as vendas do quiosque e garantir as tiragens em papel. Recordo-me dos desabafos pela falta que o jornal lhe fazia sempre que regressava de alguma viagem ao estrangeiro e no prazer em pôr a sua leitura em dia.

Nestas quatro últimas semanas encontrei muitas centenas de exemplares, no escritório, em casa, no carro, na garagem, PÚBLICOS por todo o lado, não se conseguia desfazer deles porque poderia sempre ter de regressar a alguma notícia, a algum dia, acontecimento ou sugestão. Não se importava de ler um exemplar com semanas de atraso e morria de medo de que o PÚBLICO se tornasse apenas online, garantindo a nós, assinantes digitais, que nada substituía a elegante e perfumada camada de muito fina gordura que a impressão da edição em papel lhe deixava nos dedos.

Nunca o assinou porque contribuir para a economia familiar de um quiosque ou tabacaria era muito mais valioso do que qualquer poupança ou conforto que pudesse obter com a primeira.

A ler o PÚBLICO, vi-o concordar, discordar, rir e chorar. Vi-o perder uns amigos e ganhar outros.

Lembrar-me-ei sempre quando, em 2016 tendo sido avô da Julieta e num gesto de agradecimento pudoroso, me deu a ler o texto “Nasceste Francisca”, de Miguel Esteves Cardoso, publicado nesse mesmo ano, está lá tudo o que estava a sentir e que me quis transmitir sem ter de o verbalizar.

O PÚBLICO era parte dele, era uma necessidade intrínseca, terá feito muitas vezes ciúmes à minha mãe pelo tempo que lhe dedicava. E quando, há um mês, muito emocionado olhava para uma campa abarbada de flores, imaginei secretamente o quanto ele adoraria que fossem centenas de exemplares que agora teria todo o tempo de ler e reler.

Nesse dia, encontrei junto ao sofá em que habitualmente se sentava, a edição da véspera, o 11.886.º número, aberto e dobrado no artigo do Frei Bento Domingues, “Jornada mundial dos pobres contra a pobreza”.

Lamego é uma cidade familiar, por isso o Hugo do quiosque soube com certeza que perdeu o cliente, caso não, hoje estarão lá 30 exemplares por levantar.

Este indefectível leitor era o meu Pai, chamava-se Fernando Lobo do Amaral, partiu subitamente aos 72 anos, mas tenho a certeza de que se tivesse tido oportunidade teria agradecido penhoradamente, um a um, a todos os que durante estes anos e através das vossas páginas lhe fizeram companhia e tanto prazer lhe proporcionaram. Agradeço por ele. Muito obrigado.

José Miguel Amaral

O lugar da justiça e os deveres da política

Após a revelação do escândalo do “​Qatargate”,​ assistimos a uma firme e pronta reacção da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu. Certo que ainda ninguém foi condenado, que a presunção de inocência continua de aplicação num Estado de direito, mas o cheiro a esturro é tão forte que forçou a uma tomada de posição e natural preocupação pela perda de confiança nas instituições europeias que tal situação gera.

Ainda não ouvi ninguém por lá proclamar “à justiça o que é da justiça (e esperemos que transite em julgado)”, como por estes lados se tornou tradicional, por mais escandalosos e inaceitáveis que sejam os factos tornados públicos. Certo que formalmente só é ladrão quem for apanhado a roubar, houver provas validadas, não anuladas por um incidente processual qualquer, o julgamento concluído, todos os recursos esgotados, tudo antes da prescrição e, e, e…

A um responsável político que gere causa pública ou a um eleito que recebeu uma procuração para representar cidadãos exige-se mais do que simplesmente conseguir inocentar-se (… safar-se!) em tribunal. Ética. Podem perceber e tentar aprender?

Carlos J.F. Sampaio, Esposende

Apoio extraordinário

O apoio extraordinário de 240 euros para um milhão de portugueses mostra o falhanço da política do Governo socialista. António Costa e o seu fiel escudeiro Marcelo Rebelo de Sousa pouco têm feito para combater a pobreza. E a promessa do Presidente da República de tirar das ruas os sem-abrigo? Convém recordar que há milhares de famílias da classe média com dificuldades. Esses agregados são os que fazem os descontos que contribuem para a multiplicidade de apoios sociais. Custa saber que no meio disto tudo Marcelo foi ao Qatar ver futebol com dinheiro do erário público. Vergonha.

Ademar Costa, Póvoa de Varzim

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