Meu caro CR7

Se daí de cima a queda é vertiginosa, o CR7 tem ainda hipótese de não cair, mas sim descer suave e serenamente, em glória, como merece.

Não o conheço. Dificilmente os nossos caminhos se cruzariam nesta vida. Eu estou na pequena cidade que me foi destinada para nascer e morrer, e você, ou se preferir, o CR7, vive em cima de um planeta que o eleva até às estrelas.

Respeito a sua aparente crise e, sobretudo, respeito muito a dor pelas suas tragédias pessoais. Quero apenas falar da sua carreira profissional, que, não esqueça, teve a sorte de ter ocorrido numa conjuntura em que o futebol foi elevado a um dos negócios mais rentáveis, e a um dos eventos mais mediatizados do planeta. Muitos dos que o antecederam, também geniais na arte de tocar numa bola, não tiveram essa sorte. E mesmo assim foram ídolos das gerações que os acompanharam. Ainda há dias choramos a perda de um deles.

Como negócio rentável que é, hipervaloriza os ativos das empresas em que se transformaram os clubes, e estes, por sua vez, fazem jogos financeiros para conseguir pagar os salários absurdos que se praticam, num mercado de valores insultuosos, num ciclo vicioso que, não raras vezes, envolve esquemas de corrupção ou outros ilícitos.

O CR7 não tem culpa, é claro. Tem até muito mérito em ser um ativo muito valorizado desse mercado. Fez por isso, como todos sabemos. Para além do seu talento, teve uma disciplina e uma vontade férrea que o retirou de uma pobreza anunciada e o projetou para uma carreira de astro supremo. E isso envolveu certamente enormes sacrifícios, solidão, dor e muitas crises emocionais. Não foi fácil subir tão alto.

Mas se o CR7 é humilde e humano, como dizem, deve reconhecer que milhões de concidadãos, como você, têm ou tiveram o mesmo trajeto das pedras. Para esses a vida é apenas esse trajeto. Não há compensações, ninguém os reconhece como heróis ou ídolos do que quer que seja. Mas são esses que o idolatram, que festejam os seus golos como se de orgasmos se tratasse (como dizia Fernando Gomes), que gritam com fúria cada um dos seus fracassos, que vibram com a mais insignificante notícia da sua vida.

São esses que o querem eterno, porque vivem para si, a troco de uns instantes de euforia. E não esqueça: muitos desses idólatras ganha muito menos num ano do que o CR7 ganha por minuto! Talvez o CR7 já tenha pensado nisso muitas vezes e, quem sabe, se tenha sentido completamente impotente perante este mundo tão esquisito.

E o CR7? Como vê a vida cá na terra? Não se cansa dos casos e casinhos com que alimenta a voracidade da imprensa mais execrável que existe – a imprensa desportiva? O CR7 tem o mundo a seus pés, tem presidentes e ministros que o usam como troféu, empresários que o negoceiam como se fosse diamante, e multidões de anónimos que vibram a cada gesto seu.

O CR7 tem inteligência e estatuto para se emancipar desta imundice, deste exército de bajuladores, que não tardam em retirar-lhe o “tapete vermelho”. E se daí de cima a queda é vertiginosa, o CR7 tem ainda hipótese de não cair, mas sim descer suave e serenamente, em glória, como merece.

Dizem que o CR7 é o maior ativo português. Talvez o seja. Mas se, de facto, o é, já pensou em demonstrá-lo com atitudes, ao mesmo nível dos golos que marca? Ou o CR7 não passa de um adorno? De um corpo alugado às grandes marcas de roupas, de cosmética, ou outras, de uma máquina de fazer dinheiro com tudo o que mexe e não mexe? De um figurante das novelas futebolísticas que, com toda a indecência, nos atiram pela porta dentro?

Quem é o CR7, afinal? Diga-nos sinceramente. Mas tenha cuidado com a escolha dos interlocutores. Não ceda aos tabloides, sejam eles ingleses, portugueses ou outros. E reserve-se por uns tempos. Tem uma família maravilhosa que o fará, com certeza, recuperar a humanidade e humildade tão sacrificadas nos últimos tempos.

O CR7 desculpará, estou certo, este meu ar paternalista. Mas tenho mais do dobro da sua idade e uma experiência de vida que me tem ensinado que, em geral, os astros são efémeros, e poucos são aqueles que, de facto, o merecem e resistem à erosão dos tempos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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