“É possível e desejável” a Protecção Civil melhorar os sistemas de alerta à população

Além de falar sobre as inundações em Lisboa, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, sublinha que só haverá fecho de esquadras “quando sentirmos que os autarcas estão confortáveis”.

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Alertas da Protecção Civil devem ser melhorados com inteligência artificial Helena Pereira, Celso Paiva Sol

Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, José Luís Carneiro antecipa as conclusões do Relatório de Segurança Interna de 2022, apontando para "uma ligeira redução da criminalidade grave ou criminalidade violenta". Diz que, no dia em que a entrevista foi gravada, nesta segunda-feira, não tem provas de infiltrações da extrema-direita nas polícias, mas revela que ​o não preenchimento de vagas na GNR na totalidade tem que ver com a "avaliação de inadequação para o desempenho de funções".

Estamos praticamente a mudar de ano. É uma boa altura para lhe perguntar: o fim do SEF já tem data?
Esse foi, de facto, um dos temas mais complexos que tive de gerir até ao actual momento. Está previsto que até final do ano tenhamos a estrutura legislativa preparada. Nos próximos dias, temos condições para que os funcionários do SEF que têm funções de investigação possam trabalhar com a Polícia Judiciária. Os da PSP já o tinham vindo a fazer desde o Verão passado, nas funções de controlo aeroportuário.

Entre Dezembro e Janeiro, teremos de estender uma cultura de cooperação às outras forças de segurança. Até ao fim do primeiro trimestre, teremos condições para que a transição ocorra com segurança e, como sempre disse, em condições de suscitar confiança na solução que entretanto veio a ser encontrada para benefício do país.

Estamos no final do ano e, por isso mesmo, também gostávamos de perguntar que dados é que já tem sobre a criminalidade de 2022.
Os dados que tínhamos disponíveis em Novembro, em comparação com o ano com o qual poderemos estabelecer uma comparação adequada, o ano de 2019, antes da pandemia, mostram que mantemos níveis muito aproximados na criminalidade geral e que temos uma ligeira redução da criminalidade grave ou criminalidade violenta.

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José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna Daniel Rocha

O director nacional da PSP, que aqui entrevistámos, propôs encerrar todas as esquadras de Lisboa e Porto, transformando assim algumas dessas instalações em divisões. Concorda com esse tipo de solução?
Concordo com algumas dimensões da proposta. Não concordo com outras. Quando pensamos em reordenar respostas nas funções de segurança, temos de o fazer com um objectivo. Não se faz por fazer. E, portanto, qual é o objectivo fundamental do conjunto de políticas de modernização que temos em curso?

O objectivo é continuar a fazer de Portugal um dos países mais pacíficos do mundo. Para esse objectivo, temos de ter um impulso de modernização das forças e dos serviços de segurança, nomeadamente com a utilização de dispositivos móveis que hoje podem desempenhar as mesmas funções, nomeadamente para a apresentação de queixas para a participação de crimes e que, portanto, permita auxiliar a resposta policial aos cidadãos e aos territórios e, por outro lado, garantir mais patrulhamento e maior visibilidade em relação à actuação policial.

Então concorda que algumas quadras terão de ser fechadas e concorda também com a criação de divisões?
Vai ser necessário desenvolver um processo de reordenamento das esquadras e dos postos territoriais, articulando esse reordenamento com a utilização de dispositivos móveis e com a utilização de metodologias de policiamento de proximidade e de patrulhamento que garantam que aumentamos os níveis de eficiência no uso dos recursos para continuarmos a ser um país seguro e não, pelo contrário, criarmos disrupções nessas mudanças.

Mas não na dimensão proposta pelo director nacional da PSP?
Não, por uma razão: efectivamente é preciso compatibilizar a dimensão operacional não apenas com a dimensão objectiva da segurança, mas também com a dimensão subjectiva da segurança, e por isso é que é muito importante envolver os autarcas neste processo de mudança. O processo só estará sólido e maduro quando sentirmos que os autarcas estão confortáveis com a resposta que vai ser encontrada.

Nas últimas semanas, um trabalho jornalístico revelou 600 nomes de polícias que nas redes sociais difundem habitualmente mensagens de ódio, de apelo à violência, racismo, xenofobia. Foi um trabalho de monitorização de alguns sites que durou um ano. Já a IGAI, que fiscaliza a actividade de todas as forças e serviços de segurança da área da administração interna, em quatro anos analisou 36 casos — 11 resultaram em penas disciplinares, uma acabou em expulsão e 18 continuam pendentes. Não há aqui uma grande discrepância entre a forma como o sistema se fiscaliza e se avalia e aquilo que depois encontramos nos resultados de uma entidade independente que o faz?
Temos de actuar com lucidez neste domínio. Tudo o que tem que ver com as forças de segurança deve ser tratado com muita ponderação. Em Março de 2021, e para dar resposta a um diagnóstico que foi feito então, foi desenvolvido um plano que actua em várias dimensões. No domínio do recrutamento, houve mudanças bastante importantes, nomeadamente nos conteúdos que hoje são tidos em consideração, na avaliação psicotécnica que é feita àqueles que são candidatos ao desempenho de funções nas forças de segurança. E no domínio da formação.

Há concursos da PSP e da GNR que não conseguem preencher todas as vagas. Isso tem que ver com maior exigência?
Com certeza, não tenho dúvidas de que os mais de 5000 candidatos que ficaram pelo caminho nas provas de selecção na GNR e os cerca de 2000 que ficaram nas provas psicotécnicas têm muito que ver com a avaliação da sua inadequação para o desempenho de funções, nomeadamente em relação ao entendimento que muitos desses candidatos têm em relação a valores fundamentais. Esse é o reporte que nos é fornecido por parte das forças de segurança.

Já há conclusões da IGAI?
Não é possível. Foi determinado um inquérito com carácter prioritário. Entretanto, a Procuradoria-Geral da República decidiu também abrir um procedimento de inquérito, e a IGAI procurará articular-se também com o Ministério Público.

Mas com estas investigações em curso, não percebo porque disse que não há infiltração da extrema-direita. Ainda não é cedo para tirar essa conclusão?
Devem ouvir sempre com muita atenção as palavras que são utilizadas pelo ministro da Administração Interna. O que eu disse foi que, à luz das informações de que disponho, não há uma infiltração, uma actuação concertada, sistemática e metódica para infiltrar as forças de segurança. Hoje, no dia em que me pronuncio, hoje não há registo dessa actuação dolosa, organizada e metódica.

Como vê a anunciada criação de um sindicato ligado ao Chega também nas forças de segurança?
A minha grande preocupação desde que cheguei a estas funções é a de valorizar as condições de trabalho dos profissionais de segurança, sejam da polícia, segurança pública, sejam da Guarda Nacional Republicana. E, para esse efeito, tenho contado com os contributos e com as críticas dos sindicatos e das associações profissionais que representam esses sectores.

Não me quero pronunciar sobre iniciativas anunciadas por parte de outros. Aliás, um partido anunciar que vai criar ou promover um sindicato dirá muito da independência dessas estruturas sindicais. O que quero dizer é que temos evoluído muito positivamente com os contributos que têm vindo a ser dados, com as críticas, muitas vezes algumas delas contundentes, da parte dos sindicatos. Onde é que evoluímos? Nomeadamente, no regime salarial.

Recordo que, desde Janeiro até agora, se aumentou o subsídio de risco de 31 para 100 euros, o que significa mais de 50 milhões de euros por ano. Estamos a pagar, até 2023, 28,5 milhões de euros por ano, correspondente aos suplementos não pagos no período de férias. No próximo ano, haverá valorizações salariais entre os 60 e os 117 euros.

Gostávamos também de ir à Protecção Civil. Nos últimos dias, assistimos àquilo que se passou na área da Grande Lisboa, com várias inundações, e eu gostava de lhe perguntar se percebeu por que razão é que a Protecção Civil não emitiu avisos à população através de SMS perante o alerta laranja.
Bom, eu posso responder de acordo com as informações técnicas que estão disponíveis. Em função dos avisos que foram emitidos por parte do IPMA, a Autoridade Nacional de Emergência e a Protecção Civil efectuou os seus avisos, que são comunicados para as autoridades municipais de protecção civil.

Do ponto de vista técnico, é preciso um tempo mínimo indispensável para que se possam direccionar os avisos à população para determinados territórios, para determinadas regiões. Isto é feito para efeitos de envio de SMS. A passagem do aviso amarelo para o aviso laranja não foi em condições de tempo suficientes para que se pudesse activar para os territórios municipais específicos. Por isso mesmo, o que me é transmitido pela Protecção Civil é que se realizou uma conferência de imprensa às 20h00, quando se teve a noção de que, afinal, o fenómeno meteorológico em causa ia além daquilo que era o aviso que tinha sido feito, salvo erro, cerca das 11h.

O presidente do IPMA sugeriu que haja uma melhoria nos protocolos de comunicação.
Sim, acho que isso é possível e é desejável. Aliás, nós já tínhamos esta ilação dos incêndios do último Verão. É possível cada vez mais, nomeadamente com uma utilização da inteligência artificial, podermos direccionar mais a tipologia de mensagens. Por exemplo, a determinação da situação de alerta não incide da mesma forma em todos os territórios do país.

A mesma coisa acontece com a declaração de contingência. Já tínhamos decidido, na altura do pós-incêndios de Verão, Setembro/Outubro, sobre a necessidade de utilizarmos a inteligência artificial no direccionamento desse tipo de informação, e é um aperfeiçoamento que os sistemas de protecção civil devem fazer.

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José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna Daniel Rocha

Discussão sobre sucessão de Costa “é inoportuna”

Acha que esta legislatura vai chegar até ao fim?
Nunca houve tantas condições para que a legislatura possa, precisamente, ter o tempo do mandato que lhe foi conferido pelos portugueses.

Mas também nunca houve tantas remodelações em tão pouco tempo.
O mais importante numa opção do Governo é a sua dimensão programática. Cada titular de cargo político está comprometido com um programa do Governo, que foi um programa eleitoral em que os portugueses confiaram, e confiaram muito particularmente no primeiro-ministro.

Tem havido então erros de casting para o Governo?
De forma alguma. Temos de olhar para aquilo que é estrutural na nossa vida e evitar alimentar a nossa vida social com episódios. Estamos a falar de questões estruturais.

Costa não está cansado e desinteressado, como dizia Ana Gomes?
De forma alguma, pois se foi possível concluir o esforço que está a ser desenvolvido no quadro europeu tendo como um dos timoneiros desse esforço o primeiro-ministro português, para conseguirmos encontrar um modelo alternativo de abastecimento energético à Europa, fazendo de Portugal uma plataforma relevante de abastecimento energético.

Do meu ponto de vista, é um contributo histórico para o país, no mínimo para os próximos 50 anos, e esse esforço significa um empenhamento muito forte, muito profundo do primeiro-ministro português. Durante a pandemia, foi também pela voz do primeiro-ministro que se encontrou uma resposta, nomeadamente para os denominados países da coesão, por exemplo em relação à negociação do quadro comunitário de apoio, que vai permitir investir nas nossas condições de vida, e ao plano de recuperação e de resiliência.

Sente-se nos bastidores do PS uma luta pela sucessão de António Costa? Acha que Pedro Nuno Santos é o mais popular nessa luta?
António Costa é uma liderança que ainda tem um contributo muito significativo a dar ao país, nomeadamente para preparar o país para enfrentar aquilo que são hoje desafios muito relevantes. Não faz qualquer sentido essa discussão e, a existir, é inoportuna porque António Costa está com muita energia e com vontade de servir o país.

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