Cães de mulheres e mais pesados são menos agressivos: passado, genética e tutores influenciam

Estudo relacionou a anatomia dos cães e factores ambientais e sociais com perfis de agressividade. Concluiu-se, por exemplo, que os cães de mulheres ladram menos a estranhos.

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História de vida do cão e características do tutor influenciam o grau de agressividade David Taffet/Unsplash

Os cães que passeiam diariamente com os donos são menos agressivos. Da mesma forma, aqueles que pertencem a mulheres supostamente ladram menos a estranhos. Por outro lado, os mais pesados tendem a ser menos insolentes com os donos do que os mais leves. Pugs, buldogues, shih-tzus e outros cães com o focinho achatado podem ser mais hostis com humanos do que os que têm o focinho médio e longo, como é o caso dos goldens retrievers e dos rafeiros.

Estas são as conclusões de um estudo feito por investigadores da Universidade de São Paulo (USP) com 665 cães de estimação de diferentes raças, inclusive rafeiros. Na investigação, publicada na revista Applied Animal Behaviour Science, foram relacionados factores morfológicos, ambientais e sociais com os perfis de agressividade dos cães de estimação.

O cruzamento de dados mostrou que não são apenas aspectos como o peso, a altura e o tamanho do focinho que estão associadas à maior ou menor incidência de agressividade, mas também questões relacionadas com as histórias de vida dos animais e as características do tutor.

De acordo com o artigo, os resultados confirmam a hipótese de que o comportamento dos cães não é só definido pela aprendizagem ou pela genética. Trata-se do efeito de uma interacção constante com tudo o que rodeia a vida do animal.

"Os resultados ressaltam algo que estamos a estudar há já algum tempo: o comportamento emerge da interacção do animal com o seu contexto, ou seja, o ambiente e o convívio com o tutor, por exemplo, e da anatomia do cão. Todos esses factores têm impacto na forma como o animal interage com o ambiente e também na maneira como nós interagimos com ele", explica Briseida de Resende, professora do Instituto de Psicologia (IP-USP) e co-autora do artigo.

No estudo, realizado durante a pandemia, 665 tutores de cães responderam a três questionários online, que forneciam informações sobre as características do animal, ambiente, tutor e comportamentos agressivos, como ladrar a estranhos e até atacar. Ao cruzar essas informações com o grau de agressividade dos cães, os investigadores identificaram alguns padrões interessantes.

"Só o género do tutor é que se mostrou um factor capaz de prever o comportamento com estranhos: a ausência de agressividade foi uma característica 73% mais frequente entre os cães de mulheres", conta Flávio Ayrosa, primeiro autor do artigo.

O sexo do animal também parece influenciar o grau de agressividade. "A probabilidade de o animal ser hostil com o dono foi 40% menor em fêmeas do que em machos", acrescenta Ayrosa.

"Mas foi na comparação entre o tamanho do focinho que encontramos uma diferença mais significativa: as probabilidades de agressividade contra o dono tendem a ser 79% maiores em cães braquicefálicos [focinho achatado] do que nos mesocefálicos", afirma.

Por outro lado, quanto mais pesado for o cão, menor a possibilidade de ser agressivo com o tutor. Ao cruzar os dados, os autores constataram que as probabilidades de agressividade diminuíram 3% para cada quilo extra de massa corporal.

Ainda assim, Ayrosa ressalta que as conclusões relacionadas com o perfil do tutor não são uma relação de causa e efeito. "Encontramos uma relação, mas não é possível dizer o que vem primeiro. Por exemplo, o factor ‘passear com os cães’ pode significar que as pessoas passeavam menos com os animais por eles serem agressivos, ou podem ter-se tornado mais agressivos porque os tutores não passeavam com eles", afirma.

"Características como peso, altura, morfologia do crânio, sexo e idade influenciam a interacção entre os cães e o seu ambiente. Isso pode fazer com que o animal passe mais tempo em casa", completa.

Historicamente, a agressividade dos cães tem sido associada única e exclusivamente à questão da raça. Este paradigma começou a mudar nos últimos dez anos, quando surgiram os primeiros estudos que relacionavam perfis comportamentais com factores como a idade do cão, sexo, metabolismo e diferenças hormonais. No Brasil, a investigação coordenada pelo grupo do IP-USP foi a primeira a avaliar questões morfológicas e comportamentais, incluindo agressividade, em animais sem raça definida.

"Só mais recentemente é que os estudos passaram a investigar a influência de factores relacionados à morfologia, histórias de vida dos animais, características dos tutores e origem [se foi comprado ou adoptado], como é o caso do nosso estudo", salienta Ayrosa.


Exclusivo PÚBLICO/Folha de São Paulo

​Nota do editor: o PÚBLICO respeitou a composição do texto original, com excepção de algumas palavras ou expressões não usadas em português de Portugal.

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