Alimentação na Constituição: consagrar um direito!

Aproveitemos o Dia Internacional dos Direitos Humanos, quando se avizinha uma nova revisão constitucional, para mais uma mobilização a favor da inclusão do direito à alimentação na lei fundamental.

Novembro fica marcado pelo anúncio de uma revisão constitucional. Está aberto o caminho para que possamos consolidar direitos fundamentais, dentre os quais o Direito Humano à Alimentação Adequada. A consagração deste direito é uma luta antiga dos nutricionistas, em defesa do qual tenho escrito e lutado desde há muitos anos. Pode parecer que se trata de algo elementar, mas o que é certo é que não está autonomizado na Constituição Portuguesa, ainda que esteja implícito na lei fundamental quando esta estipula o direito à saúde, o direito à qualidade de vida ou, ainda mais genericamente, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Desde 1976, quando a Constituição foi aprovada, registou-se um imenso progresso e muitos foram os valores que se elevaram. Estranha-se, por isso, que, nas sete revisões constitucionais, não tenha existido no domínio do direito à alimentação qualquer atualização.

Hoje, 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, é momento de relembrar que a Assembleia Geral das Nações Unidas, no já longínquo ano de 1948, consagrou a alimentação como um direito. É o que está plasmado no artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, legitimada pela Constituição da República Portuguesa, ao determinar que “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”.

Este e outros instrumentos internacionais têm vindo a vincular o Estado português, desde a Revolução de Abril, num crescendo de políticas públicas de facilitação do acesso aos bens alimentares, de garantia quanto à qualidade e segurança alimentar, de salvaguarda de alternativas saudáveis de alimentação e, mais recentemente, de proteção da soberania alimentar, na defesa do direito a uma alimentação adequada e sustentável.

Contudo, a concretização do direito a uma alimentação adequada para todos os portugueses surge muitas vezes com demora em relação aos reptos lançados nos diversos instrumentos internacionais.

A inclusão, de forma explícita, do direto à alimentação na Constituição da República Portuguesa constituirá um relevante avanço para a exigibilidade deste direito fundamental, incumbindo o Estado de promover as políticas públicas necessárias à sua efetivação.

Nos nossos dias, o crescimento populacional, a crescente escassez de recursos naturais e os impactos crescentes das alterações climáticas, o efeito da guerra no abastecimento alimentar, o aumento dos preços dos alimentos que se está a fazer sentir a nível mundial e a afetar os portugueses, em particular os mais vulneráveis, os hábitos alimentares inadequados dos portugueses, que constituem um dos fatores de risco que mais contribuem para a mortalidade e a morbilidade, conferem uma nova urgência a este tema. Urge garantir e salvaguardar os cidadãos, passando naturalmente pelos direitos fundamentais de cada ser humano, entre os quais a alimentação, que deve ser adequada, o que significa saudável e sustentável, ajustada às necessidades, de qualidade e, claro, acessível a todos, para evitarmos situações de insegurança alimentar.

Recorde-se que, já em 2015, uma em cada dez famílias portuguesas experimentaram insegurança alimentar e que, durante a pandemia, um em cada três portugueses revelou ter dificuldade de acesso a uma alimentação saudável. Dados de 2021 revelam-nos que, em Portugal, 22,4% da população se encontrava em risco de pobreza, uma subida de 2,4 p.p. face a 2020, o que permite intuir a dificuldade de acesso a uma alimentação adequada.

Estima-se que a instabilidade dos preços dos alimentos se mantenha nos próximos tempos, o que, a juntar à diminuição do poder de compra dos portugueses, pelo aumento da inflação, torna imprescindível a edificação de um direito que promova a equidade no acesso aos alimentos.

Por isso, e por acreditar que o Estado tem o dever de assumir plenamente as suas responsabilidades quando se trata de alimentação para mais e melhor saúde, defendo há muitos anos a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada na Constituição da República Portuguesa. Discuto o tema em diversos fóruns, sem esquecer a academia, onde faço questão de incluir este direito fundamental nas aulas de Política Nutricional, defendendo a ideia junto dos meus alunos e futuros nutricionistas. Serão, sem dúvida, os fiéis depositários deste desígnio.

Aproveitemos o Dia Internacional dos Direitos Humanos, quando se avizinha uma nova revisão constitucional, para mais uma mobilização a favor da inclusão do direito à alimentação na lei fundamental.

Saibamos criar condições para que esse direito seja traduzido em garantias efetivas, em respostas sociais na defesa dos mais vulneráveis, catalisando a necessária multisectorialidade da intervenção nutricional e dando corpo à desejável implementação de um sistema de vigilância alimentar e de avaliação das políticas setoriais, que assegurem uma alimentação adequada para todos.

A alimentação adequada é um direito humano. De todos os seres humanos. A sua consagração explícita na Constituição da República Portuguesa é necessária, porque reforça o dever de o Estado garantir este direito. Cá estaremos para continuar a lutar por ele, para não deixar esquecer que o Estado social não pode, nem deve, deixar ninguém para trás.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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