A (in)segurança de abastecimento do sistema elétrico nacional em 2035-2040

O nuclear, a energia verde mal-amada, é crucial para a descarbonização e a sua introdução no mix energético nacional asseguraria capacidade de resposta aos picos de procura.

Em Agosto de 2022, a Califórnia enfrentou uma onda de calor que levou a um aumento na procura de electricidade, aumentando o risco de apagões generalizados. Por oito dias consecutivos, o operador de rede emitiu alertas pedindo a redução voluntária do uso de energia, incluindo não carregar veículos eléctricos das 16 às 21 horas. Ainda não aconteceu em Portugal, mas poderá acontecer num futuro próximo. O mix eléctrico da Califórnia, constituído por gás natural (47%), renováveis (44%) e nuclear (9%) e armazenamento em baterias, foi insuficiente para fazer face à procura extraordinária.

Poderemos centrar a segurança de abastecimento da rede eléctrica de Portugal numa forte componente de renováveis?

O Relatório de Monitorização da Segurança de Abastecimento do Sistema Eléctrico Nacional 2023-2040, da Direcção-Geral de Energia e Geologia, alerta para o risco de falhas no fornecimento de energia já em 2023. Este relatório prevê para 2035 um aumento da potência de solar fotovoltaica instalada de 1,3 GW actuais para 10 GW. A concretizar-se, resultará num excesso significativo de produção durante o dia, mas que, devido ao carácter intermitente, não evitará um défice de até 1 TWh/ano durante os períodos diurnos. Parte deste excesso será convertido em armazenamento por bombagem hídrica, com capacidade limitada em anos de menor pluviosidade, algum será exportado e o resto será desperdiçado. Mas o mais preocupante deste cenário é um défice nocturno acentuado (que poderá chegar a 3 TWh/ano), agravado pelo carregamento das viaturas eléctricas (1,6 milhões de veículos de passageiros) à noite.

A introdução de 2 GW de nuclear (reduzindo 5GW da potência de solar prevista) reduziria significativamente os períodos de défice mantendo a segurança do abastecimento. Permitiria ainda apoiar a produção contínua de hidrogénio verde (denominado rosa por ter origem nuclear) e dessalinização de água. A construção de centrais nucleares demora tempo e só poderíamos contar com estas depois de 2034. Mas é nesta escala de tempo que serão necessárias, quer pelo encerramento previsto de centrais de potência firme (gás) em Portugal e Espanha, quer pela introdução de novos perfis de consumo, existindo o risco acrescido que os períodos de défice em ambos os países sejam similares, não sendo prudente assumir que poderemos importar toda a electricidade de que necessitarmos (importámos 10% em 2021).

O nuclear, a energia verde mal-amada, é crucial para a descarbonização e a sua introdução no mix energético nacional asseguraria capacidade de resposta aos picos de procura, com capacidade de backup, sem ser necessário excessiva confiança no armazenamento hídrico. A combinação de geração de energias renováveis e carga de base nuclear tem custos de sistema consistentemente mais baixos do que cenários baseados exclusivamente em renováveis, como mostram estudos recentes para a Suíça e Países Baixos. Quando haverá um estudo similar para Portugal, comparando com os mesmos critérios as diferentes tecnologias e os vários mix eléctricos possíveis?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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