“Os cães qataris são calmos”

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O chão do deserto perto de Doha DCO

Há um sítio no meio do deserto, não muito longe de Doha, que parece ser inquietante e interessante ao mesmo tempo. Falarei dele no início da próxima semana, depois de lá ir novamente. Para já, o que posso dizer é que qualquer pessoa com dois dedos de testa sabe que poderia não ter escolhido a visita num sábado à hora de almoço. Aprendido.

Aquilo fica, como já esperava, no meio do nada. “Cá estamos. De certeza que é aqui?”, perguntou-me Ijaz, motorista paquistanês que me deixou num local ermo. Não era bem ali, mas aceitei.

Aproximei-me a pé, que o amigo Ijaz não pareceu entusiasmado com a hipótese de colocar o carro num piso difícil. Quando lá cheguei, um pequeno portão, que dizia “escritório”, estava fechado.

Disse “olá”, bati palmas e assobiei (sem especial talento). O que havia era um silêncio tenso, só interrompido timidamente, por vezes, por camiões a circularem lá ao longe.

Dei uma volta pela vedação, à procura de um espacinho aberto, e fui dar ao portão grande. Também fechado. Do lado de dentro estavam dois cães.

Em geral, não tenho grande afecto por canídeos. Faço-lhes uma festa, dou-me a conhecer e ignoro-os a partir daí. Mas também não costumo ter medo. Em geral, são indiferentes. E estes estavam do lado de dentro – melhor ainda.

Viro costas e chamo um Uber, até que eles passam por baixo da vedação na minha direcção. “Sei lá se estes são calmos... se calhar nem comem há dias. Mas não posso correr, que eles vêm atrás de mim”, pensei.

Apliquei, portanto, o meu passo mais rápido antes da corrida. Um dos cães não estava especialmente interessado em mim, mas o outro perseguia-me com um certo gozo. Não corria, mas fazia questão de reduzir aos poucos a distância a que estava de mim, como que a demonstrar uma certa superioridade em relação ao humano medroso que estava sozinho no meio do deserto.

Só um alimento qualquer que viu pelo caminho o demoveu da perseguição e, olhando por cima do ombro, percebi que poderia ganhar-lhe uma vantagem decisiva para chegar à estrada. E cheguei. Por lá passava um camião que abrandou.

- Está tudo bem?
- Tudo. Estava só a ver se me afastava ali do cão enquanto espero pela boleia.
- Ah! Ah! Ah! Cães qataris são calmos. No problem!

Segunda-feira estarei lá de novo. E obrigado, caro camionista, mas sou capaz de não ir pelo portão grande.

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