Não deixar para trás as pessoas com deficiência

Numa época onde vivemos crises complexas e interrelacionadas como resultado da pandemia de covid-19, guerras e alterações climáticas, olhar para as pessoas com deficiência torna-se urgente.

Hoje, celebramos o dia internacional das pessoas com deficiência. Este dia, proclamado em 1992 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, pretende chamar a atenção para as grandes questões que envolvem as pessoas com deficiência e mobilizar o apoio para a dignidade, direitos e bem-estar das mesmas.

É um dia onde os Direitos Humanos das pessoas com deficiência devem ser (re)afirmados enquanto universais e inalienáveis. Passaram 30 anos desde a proclamação deste dia e se podemos celebrar algumas vitórias, essas serão ínfimas quando mergulhamos a fundo no quotidiano das pessoas com deficiência. Os obstáculos à autodeterminação e vida independente onde se encontra o acesso ao trabalho, à educação, à justiça, à saúde, à participação civil e política permanecem em registo que nos deve envergonhar enquanto sociedade global.

Numa época onde vivemos crises complexas e interrelacionadas como resultado da pandemia de covid-19, guerras em múltiplos países e as alterações climáticas, olhar para a questão das pessoas com deficiência torna-se urgente, sobretudo quando, nestes momentos de crise são as mais excluídas e deixadas para trás. Estima-se que cerca de 15% da população mundial são pessoas com deficiência. É considerada a maior minoria do mundo. Atrevemo-nos a dizer que é a maior minoria do mundo, invisível. Basta termos em consideração os dados estatísticos fornecidos pelas Nações Unidas, pela Organização Mundial de Saúde ou consultarmos os dados portugueses disponíveis nos relatórios do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) para ficarmos, no mínimo, inquietos.

Ultimamente tenho conhecido e entrevistado muitas pessoas com deficiência. Costumo perguntar quais os seus sonhos. Com frequência, as pessoas com deficiência intelectual respondem-me: “Escolher a minha roupa de manhã” ou “Ir ao cinema com amigos”. Nestas respostas, podemos rapidamente compreender os níveis de participação e escuta. Os níveis de auto-determinação e vida independente. Porquê? Ao longo da história, o tema da deficiência é frequentemente problematizado de forma unidimensional e assistencialista, ignorando as suas múltiplas narrativas e, sobretudo a voz dos próprios - o que contribui para a desumanização da deficiência. Torna-se crucial deixar de olhar para a questão das pessoas com deficiência como um “problema” e criar diálogos profícuos para, de forma colaborativa e participativa, se encontrar soluções e tornar o mundo mais acessível e equitativo.

Agora que chegamos a 8 mil milhões de pessoas no mundo, estamos a falar da realidade de que mais de mil milhões de nós tem uma deficiência. Se juntarmos a este mil milhões de pessoas, as famílias, amigos e comunidade, estamos a falar de uma enorme fatia da população do mundo que tem uma deficiência ou ligação a pessoas com deficiência. Qual o sentido de não observarmos pessoas com deficiência em cargos de liderança ou tomadas de decisão? Como se justifica que as pessoas com deficiência, praticamente, não tenham representatividade nas esferas sociais, económicas, políticas ou culturais? Qual o nome desta invisibilidade e indiferença que atinge o mundo das pessoas com deficiência?

O secretário Ggeral das Nações Unidas, na mensagem a propósito do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência deste ano transmitiu que: “A pedra angular desta cooperação deve ser a participação ativa das pessoas com deficiência em toda a sua diversidade e sua plena inclusão em todos os processos de tomada de decisão”. Não podemos concordar mais com esta intenção. Está na hora!


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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