Fernando Santos, o mais português de Portugal

Fernando Santos talvez seja o seleccionador nacional mais português que Portugal alguma vez teve ao serviço da sua equipa nacional de futebol. É o treinador da raspadinha, do euromilhões, o português que passa pela vida a safar-se; é o treinador do “desde que haja saúdinha” e que vai a Fátima pedir um milagrezinho. É o português do diminutivo que não busca grandes feitos, mas está sempre à espera que lhe caia um já feito do céu.

É o português da crónica trágico-marítima de Fernão Mendes Pinto mais que das epopeias de Camões; o português que se descobre herói ao invés de ser herói de descobertas. Uma característica que, mais do que outras coisas, é prova directa de que Cristóvão Colombo era realmente português – como defendem uns com outros argumentos –, porque se lançou a caminho do Oriente e descobriu um território a Ocidente, mas, mesmo assim, na teimosia, chamou índios aos homens que encontrou.

Fernando Santos é o homem que quase perdia o apuramento para o Campeonato do Mundo porque se entregou à pura especulação do resultado e agora passou a fase de grupos a especular com os resultados. Nessa nobre tarefa portuguesa de insistir no erro à espera que um dia o erro se acerte.

A táctica do seleccionador nacional é a do vamos tentar safar-nos num 4x4x3 ou 4x3x4, porque está sempre pensado com um jogador a mais que é a Divina Providência. É a táctica raspadinha – não é difícil imaginar o treinador com uma moedinha na mão a ver se lhe sai mais um Édermilhões, naquilo que é uma verdadeira homenagem ao herói trágico-marítimo português.

Não sei como é que ninguém da Federação se lembrou de O Barco Vai de Saída do Fausto como tema para soar nos estádios nos golos de Portugal, sobre esse homem que parte na “ingrata ventura” da qual se pode queixar, porque na realidade a “vida boa” estava era em Lisboa.

O jogo com a Coreia do Sul de 2022 foi como o de há 20 anos, com um árbitro argentino e sem Paulo Bento sentado no banco, mas se agora o juiz saiu ileso porque João Pinto ficou calmo e não foi expulso, Paulo Bento gostava muito de ter entrado em campo, mas foi expulso antes de tempo. E nem em pé o deixaram estar por dificultar a visão de um espectador.

Ao contrário de há 20 anos, Portugal chegou ao jogo com a Coreia do Sul já apurado e não a precisar de apuramento, embora se não fosse esse o caso, não é de menosprezar que Fernando Santos fosse capaz de ponderar em apostar no erro do adversário, em anular-se a anular o opositor, em esperar que os coreanos se cansassem de correr e não em andar por aí em busca de epopeias vitoriosas.

Estou convencido que em 1966 Fernando Santos teria pedido a Eusébio depois do quarto golo contra os coreanos (os do Norte, então) para desacelerar um pouco que o trabalho estava feito. E porque nessa altura não havia substituições, senão até poderia pensar em tirar o Eusébio para meter o Morato e defender aquele precioso 4-3.

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