A natureza da cultura e a cultura da natureza

Após Évora Património da Humanidade 1986, é um ato de inteligência, em matéria de estratégia político-cultural, dar continuidade e consumar uma candidatura de Évora Capital Europeia da Cultura 2027.

O júri da Capital Europeia da Cultura 2027 visitou a cidade de Évora no dia 28 de novembro. A candidatura está na fase final, a cidade eleita será anunciada no próximo dia 7 de dezembro, esta é, portanto, uma excelente oportunidade para realçar as boas razões que assistem a essa candidatura. Creio que esta candidatura só fará vencimento se formos capazes de “associar a natureza da cultura e a cultura da natureza”. Évora quer levar longe o seu vagar, ela será sempre uma forma diferente de estar no tempo e no espaço. Vejamos essas razões.

Em primeiro lugar, uma razão de ordem histórico-cultural: depois de Évora Património da Humanidade 1986, é um ato de inteligência, em matéria de estratégia político-cultural, dar continuidade e consumar uma candidatura de Évora Capital Europeia da Cultura 2027.

Em segundo lugar, uma razão urgente sobre a inversão do ciclo sociodemográfico: é preciso afirmar na região um sinal de vitalidade e esperança e a esta curta distância de 2027 só um cluster das indústrias criativas e culturais (ICC) e um modelo de turismo jovem e acessível intimamente associado a esse cluster, em conjunto com o turismo ecológico e de natureza, podem inverter esse ciclo de despovoamento sociodemográfico.

Em terceiro lugar, uma razão essencial sobre o modelo de desenvolvimento territorial: falo da mutação de Évora cidade-concelho em Évora região-cidade do Alentejo Central e, no mesmo sentido, a mutação da universidade em “univercidade” e “pluriversidade”, um novo incumbente para o desenvolvimento da sociedade em rede.

Em quarto lugar, uma razão crítica de política de desenvolvimento regional: tirar partido de uma conjuntura única de recuperação e desenvolvimento, falo da inscrição de Évora região-cidade no programa Portugal 2030 e no Programa de Resiliência e Recuperação (PRR) 2026, assim como no Programa de Cooperação Transfronteiriça.

Depois destas quatro razões primordiais, é fundamental afirmar o grande compromisso entre natureza e cultura, aquele que será o sinal mais distintivo e a marca mais impressiva da região alentejana, uma vez que iremos assistir nas próximas décadas a severas ocorrências climáticas e a algumas disrupções graves na relação entre património natural e património cultural. O património e a paisagem, a ecologia e a economia, a ciência e a tecnologia, a arte e a cultura serão os ingredientes deste compromisso para uma década que será estruturado em quatro transições, como a seguir se refere:

a transição socioecológica: o plano verde e a cidade orgânica, isto é, as infraestruturas ecológicas e a rede de corredores verdes, a reabilitação dos ecossistemas e serviços de ecossistema, a arquitetura biofísica e as artes da paisagem, elementos da memória do território e do seu património natural e cultural;

a transição sociocultural: a valorização das artes e humanidades na academia, uma escola empresarial das artes e tecnologias, plataformas materiais e virtuais de atividades culturais e criativas como elementos de uma economia e sociedade mais colaborativas, uma rede de residências científicas, culturais e artísticas em apoio dessas plataformas;

a transição sociodemográfica: programa de inovação social para a sociedade sénior (envelhecimento ativo e clubes colaborativos) e de integração sociolaboral para os mais jovens, em especial, as infraestruturas e os equipamentos da sociedade digital que promovem o trabalho colaborativo, a incubação empresarial, a mobilidade dos nómadas digitais, mas, também, os neorrurais da chamada 2.ª ruralidade;

a transição socioeconómica: o lançamento de um sistema agroalimentar de proximidade sob a forma de parque agroecológico municipal ou intermunicipal, depois a economia do montado alentejano e a economia da dieta mediterrânica como exemplos de compromisso entre o património natural e a economia regional, em seguida, exemplos de transição na economia circular, agricultura de precisão, silvicultura preventiva ou na área das indústrias criativas e culturais onde se enquadram, também, as artes da paisagem.

Nota final

Évora Capital Europeia da Cultura 2027 é um instrumento fundamental desta estratégia das quatro transições. Porém, se não forem feitos investimentos de consolidação nas redes e interligações da sub-região, muitos dos novos investimentos não terão efeitos duradouros sobre a qualidade de vida dos cidadãos, pois foram feitos a pensar mais na turistificação e nos visitantes ocasionais e menos nos residentes habituais. De resto, sem turismo de qualidade e sem cadeias de valor de base regional que as revelem ao mundo, não haverá um verdadeiro cluster de indústrias culturais e criativas. É uma grande oportunidade para uma região de baixa densidade, e a candidatura de Évora, se bem-sucedida, pode ser esse vagar que leva longe a arte da nossa existência.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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