A emoção e rebeldia de jovens chineses no “ponto de ruptura” dos protestos contra confinamentos

Na China, a população continua a marcar a sua posição contra as medidas impostas por Xi Jinping para travar a covid-19. “As coisas atingiram um ponto de ruptura. Tínhamos de sair à rua.”

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As pessoas seguram folhas em branco em protesto contra as restrições impostas pelo Governo chinês Reuters/THOMAS PETER

Quando Yang, funcionária num escritório de Xangai, viu os vídeos de um prédio em chamas no oeste da China, um desastre no qual dez pessoas morreram, afirmou não conseguir conter a raiva pelas duras medidas impostas devido ao vírus da covid-19, três anos após o início da pandemia.

Enquanto assistia a um jogo de futebol do Mundial do Qatar com o namorado, dois dias depois num bar de Xangai, viu links no WeChat, a omnipresente aplicação de mensagens usada na China, para uma vigília de luto pelas vítimas. Fez rapidamente a viagem de bicicleta para poder comparecer.

“As coisas atingiram um ponto de ruptura. Nós tínhamos de sair à rua”, diz Yang, de 32 anos, que se recusou a ser identificada pelo nome completo com medo de represálias, disse à Reuters.

Seis jovens que falaram com a Reuters em quatro cidades da China – todos a fazer parte de um movimento activista pela primeira vez – descreveram uma mistura de medo, euforia e desafio após um fim-de-semana agitado e marcado pelos reforços de segurança.

Enquanto estão unidos contra a sufocante política chinesa “covid zero”, todos os seis jovens falaram de um anseio por liberdades políticas mais amplas, 33 anos depois de estudantes chineses terem ocupado a Praça Tiananmen, em 1989.

Quando Yang chegou à vigília, pequenas multidões estavam a incomodar as fileiras de polícias posicionadas sob os plátanos da Rua de Wulumuqi, em homenagem a Urumqi, cidade onde ocorreu o incêndio.

As autoridades já negaram que as mortes causadas pelo fogo estão relacionadas com as medidas de quarentena que impediram as vítimas de escapar.

“Nós não queremos máscaras, queremos liberdade”, berrou Yang, usando o telemóvel para partilhar fotografias, vídeos e posts no Twitter, Telegram e Instagram, inacessíveis em território chinês sem uma rede privada virtual (VPN), que instalou.

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À medida que as horas passavam, os cânticos intensificavam-se. “Abaixo a festa do Partido Comunista Chinês”, entoavam os manifestantes, alguns enquanto tiravam as máscaras. “Abaixo Xi Jinping!

Mas grande parte da frustração do público é dirigida à política “covid zero” do Presidente Xi Jinping e não a ele enquanto líder.

Enquanto muitos na China apoiaram a medida que poupou o país às consequências de um vírus que matou milhões noutros sítios, a frustração aumentou quando uma nova onda de infecções levou ao retorno dos confinamentos generalizados.

Um oficial de saúde disse nesta terça-feira, 29 de Novembro, que as queixas da população resultam de uma implementação excessivamente cuidadosa e não das medidas em si, e que as autoridades continuariam a ajustar as políticas para reduzir o impacto na sociedade.

A China tem dependido, maioritariamente, de vacinas produzidas internamente, sendo que algumas investigações sugerem que não são tão eficazes como algumas estrangeiras. Isto significa que, de acordo com certos especialistas, levantar as medidas de prevenção da covid-19 pode trazer grandes riscos.

Primeira vez

Considerando-se parte de uma pequena “bolha liberal” em Xangai — a cidade mais cosmopolita da China —, Yang não imaginou que tantas pessoas iriam partilhar as mesmas frustrações num país que se tornou, desde que Xi assumiu o poder, cada vez mais autoritário.

“Esta é a primeira vez na vida que faço algo assim”, confessou. “No meu coração, já murmurei estas coisas milhares de vezes, mas ouvir estes slogans cantados por tantas pessoas foi entusiasmante e chocante.”

Para muitos, em diferentes cidades, os constantes confinamentos provocados pela covid-19 aumentaram a sensação de impotência.

“Os protestos estão a acontecer porque, debaixo das medidas preventivas da covid-19, as pessoas não conseguem satisfazer as necessidades fundamentais para sobreviver”, disse Jiayin, que participou numa manifestação em Guangzhou, uma cidade do Sul com alguns dos números de infecções mais altos registados ultimamente.

Lá, no fim-de-semana, a população juntou-se numa ponte que une os dois distritos sob recolher obrigatório e entoou uma música cantonesa chamada Sky, da banda de Hong Kong Beyond, muito popular entre os manifestantes pró-democracia de Hong Kong em 2019.

A mais de 2 mil quilómetros a norte, estudantes de universidades de elite também se estavam a organizar.

Cheng, estudante de 23 anos de Ciências Sociais, que estava com centenas no campus da prestigiada Universidade Tsinghua de Pequim, a alma mater de Xi, enfatizou o dever de a elite liderar a pressão por justiça social.

“Estou muito orgulhosa por poder impor-me com os melhores jovens da China e falar para todos”, disse Cheng.

Ela e outros jovens manifestantes com conhecimentos de tecnologia têm trocado informações pelo Telegram em actos desafiantes, anónimos e descentralizados, com ecos dos protestos pró-democracia sem liderança de Hong Kong em 2019.

Grupos de outras partes do mundo e organizações online têm ajudado com conhecimento sobre segurança da informação e como contornar os censores.

Sobrecarregar

Na manhã seguinte ao protesto, Yang dormiu três horas, tratou das tarefas domésticas e passou o dia colada ao telemóvel a publicar incessantemente. Por vezes, até repreendeu amigos que lhe diziam para se manter “racional” e evitar os protestos.

Num post, escreveu: “Numa realidade irracional, ser racional e usar palavras lógicas está longe de ser adequado.”

“O meu cérebro estava sobrecarregado com tanta informação e o meu humor não estava estável”, ela disse.

Com a polícia a verificar, em várias cidades, o telemóvel das pessoas por causa de aplicações como o Telegram e a convocar para interrogatórios, Yang diz que vai passar despercebida por agora, utilizando um telemóvel descartável para sair. “Neste ponto, isto é melhor do que esperar mais um bocado.”

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Apesar dos riscos, Dai’an, que se identifica como feminista e vive na cidade de Chengdu, no Sudoeste, afirma que é movida pelo “simples sentido de justiça”.

“O pior que pode acontecer é sermos presos? Mas é melhor do que enfrentar a realidade dia após dia e mesmo aí não poder fazer nada e depois sentir pena de nós mesmos.”

Fez parte de um protesto na Rua de Wangping, localização escolhida pelo significado do nome, “A olhar para o Ping”, uma alusão a Xi Jinping.

Eu não sinto que estou a fazer história”, disse Cheng. “Mas vivemos na história todos os dias. Vou sempre lembrar-me disso.”

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