Secretário de Estado da Economia demitido a pedido de Costa Silva

A decisão foi comunicada ao secretário de Estado esta manhã de terça-feira pelo próprio ministro da Economia, António Costa Silva, e avançada ao início da tarde pelo Jornal de Negócios.

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João Neves era secretário de Estado desde 2018 Rui Gaudencio

O ministro da Economia, António Costa Silva, pediu a demissão do seu secretário de Estado da Economia, João Neves. O pedido foi comunicado pelo próprio ministro da Economia esta manhã de terça-feira e a saída de João Neves já foi confirmada, sabe o PÚBLICO. Mas não é a única alteração no Governo. A secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Rita Marques, também é exonerada, confirmou uma nota divulgada pelo Presidente da República ao final desta tarde.

Já António Mendonça Mendes deixa os Assuntos Fiscais para se tornar secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, cargo desempenhado por Miguel Alves até ser acusado pelo Ministério Público pelo crime de prevaricação e consequentemente apresentado um pedido de demissão. Pedro Miguel Ferreira Jorge Cilíno vai ser o novo secretário de Estado da Economia e o socialista Nuno Fazenda assumirá o cargo de secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços.

Depois de a sua exoneração ter sido confirmada na nota divulgada pelo Palácio de Belém, João Neves utilizou a sua página de Linkedin para uma declaração de despedida, afirmando ter sido “uma honra trabalhar sob a direcção do primeiro-ministro, António Costa, ao lado das empresas, das associações empresariais e da indústria do nosso país”, mas sem fazer qualquer referência ao ministro da Economia.

Depois de assinalar que se orgulha de ter “sempre procurado sempre servir a República Portuguesa em prol da economia nacional”, João Neves despede-se com um retrato da economia portuguesa e destaca que “o perfil de especialização da nossa economia está a mudar”. E uma vez mais sublinha sentir-se privilegiado por “poder ter trabalhado em programas fundamentais para essa mudança”. E deixa um resumo da sua passagem no Ministério da Economia nestes quatro anos.

“O financiamento e reconhecimento dos Centros de Tecnologia e Investigação, que asseguram a transferência do conhecimento entre as empresas e a academia, as Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial, que, através do desenvolvimento de produtos inovadores mobilizaram, colaborativamente, as grandes empresas, PMEs, universidades, politécnicos, centros de fazer e centros de saber, no maior incentivo público desde a nossa adesão à CEE e, por fim, recordo o enorme esforço durante os anos da pandemia, na injecção de 11 mil milhões de euros em todo o nosso tecido produtivo na defesa de empregos e empregos”, lê-se.

“A minha esperança no futuro da economia não se esgota aqui”, assegura. E prossegue para sublinhar “o saber-fazer nacional, as qualificações dos nossos jovens, a resiliência e inovação dos nossos empresários e a capacidade colaborativa do nosso associativismo empresarial” que, acredita, continuarão “a transformar a nossa economia”. “Uma economia assente no conhecimento, na inovação, no nosso talento e na capacidade das nossas empresas se internacionalizarem”, conclui.

As críticas que levaram à saída

Embora não tenha sido dada ainda uma explicação oficial, os dois secretários de Estado do ministro da Economia tinham criticado publicamente Costa Silva há cerca de dois meses, o que gerou desconforto. Em causa estão as declarações do tutelar da pasta de Economia e do Mar sobre uma eventual descida “transversal” do IRC. Dias depois de Costa Silva ter afirmado que “seria extremamente benéfico” o Governo avançar com uma “redução transversal” do IRC [Rendimento de Pessoas Colectivas], o secretário de Estado da Economia veio contrariar o seu ministro. “Dizer que vamos agir em IRC para resolver um problema de curtíssimo prazo é um erro”, afirmou João Neves. As declarações não terão sido bem recebidas por Costa Silva, que terá aguardado pelo final do debate e votação do Orçamento do Estado para 2023 para comunicar a sua decisão.

Também Rita Marques é afastada depois de ter comentado uma publicação de Pedro Siza Vieira no Linkedin na qual o ex-ministro afirmava que era a favor de uma descida de IRC, embora apontasse para “o aumento da dedução de lucros retidos e reinvestidos” como uma das alternativas à redução mais geral da taxa de IRC. “Há que trabalhar para reforçar os capitais próprios das empresas e melhorar o autofinanciamento. Que o OE2023 seja claro nessa ambição”, escreveu Rita Marques no seu comentário.

A secretária de Estado voltou ao tema e em entrevista à agência Lusa declarou que “a primeira e última palavra” de decisão acerca de uma eventual descida do IRC caberia ao primeiro-ministro. “Estas matérias são discutidas de forma colectiva, em sede própria, no Conselho de Ministros. O senhor primeiro-ministro há-de ter a última palavra, aliás, tem a primeira, a última, sempre. E, portanto, cá estaremos para trabalhar em função das orientações que recebermos do senhor primeiro-ministro”, afirmou a secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Rita Marques, em entrevista à Lusa, a 27 de Setembro.

As críticas dos secretários de Estado foram assinaladas até pela oposição. Numa audição ao ministro da Economia sobre o Banco Português de Fomento (BPF), no final de Setembro, os deputados sociais-democratas assinalaram a “solidão” e Costa Silva, por não se ter feito acompanhar pela sua equipa. “Espero que não esteja sozinho nem no Ministério nem no Governo”, ironizou então o deputado do PSD Jorge Mendes, numa alusão à discussão em torno do modelo de redução do IRC.

"Estou habituado a ter razão antes do tempo"

Aos deputados do PSD, Costa Silva responderia: “Não me sinto nem sozinho, nem acompanhado. Na vida tive batalhas muito difíceis e estou habituado a ter razão antes do tempo, que é uma coisa que às vezes é muito difícil de sustentar”.

À data, também o líder do PSD, Luís Montenegro, declarou a sua “solidariedade” para com o ministro da Economia, considerando que Costa Silva estava a ser “triturado pela máquina socialista” e que tinha sido “desautorizado em público” pelo ministro das Finanças, por “dois secretários de Estado” e pelo líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias.

João Neves é licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia, e mestre em Administração e Políticas Públicas, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa (Iscte). Foi secretário de Estado da Economia entre 2018 e 2019, e secretário de Estado Adjunto e da Economia no anterior Governo. Antes de integrar o executivo era administrador da empresa Laboratórios BIAL.

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