Cartas ao director

A cor da desonra

As imagens de rostos lavados em lágrimas, ou resignados com a sua má sorte, dão conta da nossa dor infinda perante a crueza e a infâmia. E, todavia, muitas vezes nos resignamos, lavamos as mãos como Pilatos... Não, não estou a falar dos autocratas sem coração que exploram as populações do Qatar e promovem, juntamente com a FIFA, um Mundial de futebol que nunca devia ter existido em tais condições.

Falo, sim, de algo que se passa bem mais perto. É possível esconder o que ocorre nos campos de Odemira e do Alentejo Sul com a exploração desenfreada de centenas de trabalhadores ucranianos, timorenses, nepaleses, etc., que trabalham na agricultura intensiva em condições sub-humanas, sob ameaça física e psicológica de verdadeiras máfias organizadas, a ganharem dez euros à semana, encerrados às dezenas em cubículos sem o mínimo de higiene, sob o silêncio cúmplice de comunidades inteiras?

No editorial do PÚBLICO de ontem, Andreia Sanches apontou a inflamação da chaga: sim, “o país precisa de imigrantes, mas não sabe salvaguardar os seus direitos elementares!”... “A operação policial desta quarta-feira, para desmantelar uma rede que se dedica à exploração de imigrantes, é uma boa notícia. Mas o que ela revela envergonha-nos. Outra vez.” Até quando, sonhado país de Abril?

Vítor Serrão, Santarém

Desmantelamento do sector agro-florestal

Quem são as eminências pardas que aconselham estes últimos governos, de direita e de “esquerda”, a desmantelarem o sector agro-florestal? Começou com a extinção dos Serviços Florestais, o que, por falta de uma política efectiva de defesa e gestão do território florestal, permite a liberdade de expansão das “florestas” afectas à indústria da celulose que continuam a alimentar os incêndios já habituais; a seguir foi separar o ager da silva, colando esta ao Ambiente para que nem um nem outro cumpram decentemente a sua função; depois foi a extinção dos Serviços de Extensão Rural, que eram fundamentais para apoiar os pequenos e médios agricultores, para fomentar o associativismo e atrair gente nova ao sector — quem lucra com isso? As grandes empresas agro-industriais, às quais pouco importa o despovoamento do interior e que têm dinheiro suficiente para contratar os seus próprios técnicos.

Aqui há anos retiraram às Direcções Regionais de Agricultura o seu papel fundamental de experimentação agrícola, por exemplo na procura de novas culturas adaptadas às mudanças climáticas regionais e desperdiçando um património considerável no domínio da investigação agro-florestal. Agora fala-se na extinção das próprias direcções regionais e ninguém será julgado por estes crimes de lesa-pátria? Os técnicos responsáveis e a opinião pública passam calados ao lado desta tragédia para o futuro sustentável do país?

Fernando Santos Pessoa, Faro

Greve dos agentes da saúde

Os agentes da saúde não deveriam poder fazer greve. A esse nível, deveriam ser consideradas profissões de carácter excepcional, à semelhança do que acontece com os agentes de segurança. Um enfermeiro ou um médico que faça greve está a contribuir para o sofrimento de um ser humano, podendo ter consequências mais ou menos penosas. Nem sei como conseguem manter a consciência tranquila ao fazerem greve. Deveriam encontrar outras formas de luta pela reivindicação dos seus direitos, que certamente todos valorizamos e todos reconhecemos serem legítimos.

Luís Rodrigues, Santo Tirso

Futebol na política

Em Portugal, nos últimos meses, o preço de bens essenciais alimentares e energéticos tem subido “brutalmente” porque a inflação está sem controlo assegurado, porque a guerra não tem fim à vista e também porque os custos da pandemia continuam. Tudo isto é reconhecido pelos deputados que elegemos e que são a força viva em que confiamos para que os recursos financeiros e outros, geridos pelo Estado, sejam utilizados de forma criteriosa na defesa dos interesses nacionais mormente os dos portugueses mais desfavorecidos. É porque o sabemos que votamos, pois o voto é a expressão viva da participação dos cidadãos nessa boa gestão. Mas sabê-lo-ão os deputados que entenderam ser boa gestão gastar dinheiro público, o destinado a ajudar quem mais precisa, para pagar deslocações ao Qatar das três figuras primeiras do poder no nosso país “para verem jogos de futebol”? Duvido! E desagrada-me ter de reconhecer que foram os partidos que não acreditam na democracia que se afirmaram aos olhos dos portugueses como os defensores de quem sofre diariamente com a carestia de vida actual.

O populismo apoia-se em todas as expressões de idiotia futebolística, política ou de insensibilidade social e por maiores vitórias que a idolatria deste futebol possa trazer… o seu resultado final é perdermos todos.

M. M. Camilo Sequeira, Algés

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