Afinal, Portugal ainda sabe como vencer na estreia num Mundial

A defesa comprometeu bastante a nível individual, mas Ronaldo, Félix e Leão permitiram a Portugal salvar-se de um empate que pairou até aos 90+9’.

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Cristiano Ronaldo celebra o seu golo contra o Gana com uma imagem de Messi atrás de si EPA/Abir Sultan
Cristiano Ronaldo
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Cristiano Ronaldo EPA/Rolex dela Pena
João Cancelo e João Félix
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João Cancelo e João Félix EPA/JOSE SENA GOULAO
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Momento do jogo entre Portugal e Gana Reuters/CARL RECINE
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Fernando Santos, seleccionador nacional EPA/Rolex dela Pena
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Rafael Leão, após ter marcado um golo Reuters/CARL RECINE

2010, 2014 e 2018. Nesta quinta-feira, acabou a “via-sacra” portuguesa em estreias em Mundiais e a selecção nacional voltou a tirar uma vitória do jogo inaugural, algo que não fazia desde 2006, quando bateu Angola, no Mundial alemão.

O triunfo (3-2) frente ao Gana foi sofrido, bastante sofrido – talvez mais do que qualquer português contaria aos 88’, quando o 3-1 virou 3-2, e aos 90+9’, quando Diogo Costa foi apanhado a “dormir” e deixou um ganês roubar-lhe uma bola que por milagre não deu golo.

Mas bem que o jogo precisava de emoção no final, já que a primeira parte foi a encarnação futebolística de uma canção de embalar.

Mas vamos a factos: Portugal ganhou. Portugal lidera o grupo. Portugal tirou de cima o enorme peso que seria ter empatado este jogo. Num grupo sem nenhum “saco de pancada” – leia-se uma selecção claramente frágil e à mercê de um triunfo fácil –, este é um resultado ainda mais relevante, permitindo encarar o Uruguai, o adversário mais forte, com uma tranquilidade adicional.

E olhando para o que se passou é difícil dizer que o desfecho não é justo. Portugal foi melhor e quis mais vencer este jogo, mas fica o alerta para o que aí vem: o desempenho individual e colectivo esteve longe de ser bom. E uma equipa que não o Gana – sim, falamos do Uruguai – terá armas para provocar outro tipo de problemas.

Jogo sonolento

Na primeira parte ouviu-se mais uma espécie de trompete vindo da zona do estádio mais povoada de ganeses do que “bruás” ou qualquer outro tipo de manifestação. Trocado por miúdos, isto equivale a dizer que, na primeira parte, não se passou nada. Ou quase nada.

Portugal levou a este jogo um 4x4x2 algo assimétrico, com muita dinâmica entre Bernardo, Félix, Otávio e Bruno Fernandes. Chegou, por vezes, a ser um 4x3x3, com Otávio e Bernardo no triângulo central e Félix encostado à esquerda.

A ideia na escolha dos jogadores terá sido combater a presumível defesa baixa do Gana com jogadores capazes de se associarem a abrirem buracos entre linhas.

Problema: a defesa baixa do Gana ficou em Acra. A equipa africana trouxe um bloco médio-alto, com a linha defensiva a posicionar-se várias vezes quase na linha do meio-campo.

Um jogador como Rafael Leão poderia ter sido útil, mas nem seria preciso chamar o jogador do AC Milan caso Ronaldo explorasse o espaço que havia nas costas da defesa ganesa. Mas os portugueses pareceram demasiado agarrados a um plano de jogo que possivelmente contava com a defesa mais baixa e poucas diagonais de ruptura fizeram. Ronaldo, por exemplo, só fez um par delas – e uma dessas, a primeira, aos 9’, deixou-o isolado, mas a recepção imperfeita hipotecou a boa finalização.

Ronaldo, a querer participar na criação de jogo, insistiu bastante em pedir a bola no pé, em apoio, num jogo que pedia claramente que o capitão fizesse o que tanto gosta, que é pedir a bola no espaço e confiar no talento dos colegas para o servirem. Além disso, neste jogo não havia Leão e também não havia Nuno Mendes, pelo que todos os jogadores nacionais pediam a bola no pé.

O Gana tinha a defesa subida, mas, quando era obrigado a baixar, baixava sem pudor de ter quase todos dentro da área. Os laterais ganeses tinham ambos ordem para “abafarem” Cancelo e Guerreiro assim que a bola lá chegava, pelo que a solução poderia ser atraí-los dessa forma e alguém romper pelo espaço deixado livre pelo lateral ganês que foi no engodo da pressão individual. E isso também não aconteceu.

Ronaldo ainda teve um remate de cabeça ao lado, após um canto, e Félix atirou por cima em boa posição, aos 28’, mas, tirando um lance de falta de Ronaldo (a bola ainda entrou na baliza), pouco houve a registar perto das balizas.

O Gana quis pouco, Portugal quis muito, mas quis mal. E assim se passaram 45 minutos de quase nada.

Mesmo plano, resultado diferente

Na segunda parte Portugal voltou a entrar com o mesmo plano. Quando Otávio se lesionou, aos 56’, o mundo estava a oferecer a Fernando Santos a possibilidade de dar velocidade e rasgo ao jogo, com alguém que explorasse o espaço – Mendes, caso estivesse em condições físicas, ou os atacantes Leão ou mesmo Ramos.

A opção foi por William, que dá qualidade de passe vertical e fluidez na circulação, mas não era isso que faltava – Bernardo já estava a dá-lo. Santos deixava claro que não queria mudar o plano. E não mudou. Se resultou? Olhando para o jogo agora, que há um 3-2 para contar, sim. Mas futebolisticamente é difícil dizer que Portugal conquistou este triunfo por especial competência.

Aos 62’, Ronaldo sofreu penálti, bateu dos 11 metros, saltou e gritou “siii” em uníssono com o estádio 974. Tornando-se o primeiro jogador a marcar em cinco Mundiais, Ronaldo desbloqueou o jogo – e nada fazia prever que Portugal tivesse capacidade para o fazer.

Cerca de dez minutos depois, Portugal começou a ser exposto. Bola em profundidade mal lida por Rúben Dias, numa primeira fase, e o cruzamento de Kudus, mal aliviado por Danilo, deu a André Ayew a finalização fácil.

Aos 77’, Fernando Santos mudou o plano. Chamou Leão e Portugal marcou um minuto depois. Ainda que esta fosse a substituição que o jogo há muito pedia, o sucesso nem passou pela acção do jogador do AC Milan. Tratou-se, sim, do aproveitamento de algo que há muito estava visível, que era o espaço na profundidade. Félix correu e Bruno Fernandes isolou-o para o golo. E fez o mesmo aos 80’, quando numa transição deixou Leão a poder fazer um golo “à Leão”: remate de pé direito, do lado esquerdo, para o poste mais afastado.

Jogo feito? Em tese, sim. Santos “fechou a porta” com Palhinha e João Mário – um para os duelos, outro para manter a bola –, mas a defesa voltou a comprometer.

Cancelo foi batido em mais uma bola aérea e o cruzamento encontrou Bukari, que saltou entre Guerreiro e Danilo – culpas repartidas.

Até ao final o “assalto” do Gana ao empate não foi especialmente forte nem engenhoso, mas Diogo Costa quis dar emoção ao jogo. No estádio, via-se todo o banco de Portugal em pé, aos gritos, a dizer ao guardião que tinha um jogador ganês escondido junto ao poste – e escondido é mesmo a palavra certa. O africano só esperava que Diogo colocasse a bola no chão para a roubar. E esperou. E roubou. Os deuses do futebol estiveram com o guarda-redes português e o momento não deu golo.

O guarda-redes do FC Porto vai ter pesadelos com este momento, mas, provavelmente, não será apanhado numa destas nunca mais na carreira.

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