As aves mais singulares do planeta são as mais ameaçadas de extinção

Pássaros que combinam características únicas são também os que correm maior risco de extinção, conclui estudo. A perda destas aves pode ter consequências graves para o funcionamento dos ecossistemas.

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A garça-agami é uma das aves do planeta que possuem características morfológicas únicas Joe Tobias/DR

As aves mais singulares, que combinam características únicas e incomuns, são também as que correm maior risco de extinção, conclui um estudo publicado esta quinta-feira na revista científica Functional Ecology. O estudo liderado por investigadores do Imperial College de Londres, no Reino Unido, mostra ainda como a perda destas aves pode ter consequências danosas para o funcionamento dos ecossistemas.

A significância da extinção de uma espécie vai muito além do mero fim de um grupo de animais – e do valor antropocêntrico que atribuímos a esta perda, que é o de não podermos mais, enquanto humanos, fruir da beleza de uma ave única. Os indivíduos de uma espécie incomum desempenham papéis singulares, como polinizadores, predadores ou distribuidores de sementes. Se desaparecem, com eles perde-se um conjunto de relações e processos que mantêm um ecossistema rico e saudável.

O estudo analisou o risco de extinção e os atributos físicos de quase todas as espécies de aves vivas, sendo o mais abrangente trabalho do género publicado até hoje, refere o comunicado de imprensa. Isto foi possível graças a um acervo com dados tanto de aves vivas, como de espécimes de museus. Estamos a falar de dados morfológicos de 9943 espécies, informação que detalha tanto o comprimento das asas, caudas e penas, como o tamanho e o formato do bico.

“O incrível conjunto de dados que usamos significa que esta é a primeira vez que todo o arco global da diversidade morfológica aviária foi quantificado. Esta é uma grande conquista e só é possível devido aos esforços hercúleos de muitas pessoas, ao longo de décadas, para reunir o conjunto de dados”, explica ao PÚBLICO o investigador Jarome Ali, estudante de doutoramento na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.

Após reunirem um extraordinário banco de dados morfológicos, os autores cruzaram esta informação com o risco de extinção, tendo como referência a classificação actual de cada espécie na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Por fim, fizeram simulações computacionais para saber o que aconteceria se as aves mais ameaçadas fossem extintas.

“O nosso trabalho junta-se a um crescente manancial de conhecimento que mostra que as consequências da extinção podem ser ainda piores do que poderíamos prever”, acrescenta Jarome Ali, autor principal do artigo agora publicado, que concluiu a investigação quando ainda estava no Imperial College de Londres.

O estudo consistiu em simular computacionalmente cenários em que todas as espécies de aves ameaçadas (ou perto disso) estavam extintas. Os cientistas perceberam que, nessa situação, “haveria uma redução significativamente maior na diversidade física (ou morfológica) entre as aves do que em cenários nos quais as extinções eram aleatórias”, refere o comunicado de imprensa.

A fragata-da-ilha-de-natal (Fregata andrewsi), que constrói ninhos unicamente na ilha de Natal, na Austrália, é um dos exemplos de aves que são morfologicamente únicas e já estão ameaçadas hoje. Outro é o do maçarico-de-coxas-arrepiadas (Numenius tahitiensis), que anualmente migra do Alasca, onde se reproduz, para as ilhas do Pacífico Sul.

Conservação das espécies

“Agora que sabemos que as espécies mais ameaçadas tendem a ser as mais únicas, temos ainda mais evidências de que proteger as espécies ameaçadas é de facto importante. O nosso estudo sugere que as espécies ameaçadas são extremamente valiosas porque possuem morfologia especializada. Isso significa que é provável que desempenhem papéis especializados nos ecossistemas”, diz Ali ao PÚBLICO, numa resposta por e-mail.

O investigador avisa que, se não tomarmos medidas para proteger espécies ameaçadas, evitando assim extinções, o funcionamento dos ecossistemas poderá ficar “dramaticamente” comprometido. “O nosso artigo mostrou ainda que não podemos simplesmente esperar que uma espécie não ameaçada apareça e preencha o papel de uma espécie ameaçada [extinta]”, avisa o autor principal do estudo publicado na revista editada pela Sociedade Britânica de Ecologia.

Embora o conjunto de dados usado no estudo tenha sido capaz de mostrar que as aves mais singulares também foram classificadas como ameaçadas na Lista Vermelha, há uma questão que continua obscura. Qual é exactamente a relação entre a singularidade e o risco de extinção? A resposta, para já, é simples: não sabemos.

“Ficamos surpresos ao descobrir que, embora a tendência geral seja a de que as espécies ameaçadas sejam também as mais singulares, há espécies não ameaçadas que parecem contrariar essa tendência. Isso deixa-nos com um quebra-cabeças – qual é exactamente a relação entre ser único e ser ameaçado? Pode ser que algumas espécies únicas não ameaçadas vivam em áreas onde o seu habitat não está sob ameaça imediata, mas há muitos factores que podem estar em jogo aqui”, aventa Ali, que sublinha a necessidade de haver mais investigação sobre este tópico.