Estamos a conseguir manter a população de priolos nos Açores, apesar das ameaças

O IV Atlas do Priolo deve ser publicado até ao final do ano. Estimativa da SPEA é de que existirão 1368 indivíduos desta espécie vulnerável e endémica de S. Miguel, nos Açores,

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O priolo é endémico da ilha de S. Miguel e estima-se que a população ronde os mil indivíduos DR

Depois de vários adiamentos, por causa da pandemia, a Sociedade Portuguesa para o Estudo de Aves (SPEA) conseguiu, finalmente, este Verão, reunir um grupo de voluntários para contar o número de indivíduos da que já foi considerada uma das aves mais ameaçadas do mundo, o priolo (Pyrrhula murina), que vive exclusivamente na ilha de S. Miguel, nos Açores. Agora avança com a primeira estimativa dessa contagem – 1368 aves – e o número até parece reflectir um aumento, mas a SPEA é cautelosa e diz que é apenas um sinal de estabilidade da espécie, cuja principal ameaça é, hoje, a proliferação de espécies invasoras no seu habitat.

São pequenos (têm entre 15 e 17 centímetros), difíceis de detectar, mas são também amplamente monitorizados e se seguir alguns dos conselhos do Centro Ambiental do Priolo, no Nordeste, pode ter a sorte de avistar uma destas criaturas de cabeça negra e corpo castanho, com um canto descrito como “assobio melancólico”. Por lá há um mapa em que são assinalados os avistamentos de todos os que ali vão e reportam a sua experiência aos técnicos do centro. E se passar pelo centro antes de iniciar a visita, deverá sair com uma recomendação sobre as áreas em que é mais provável encontrar a mais famosa criatura desta ponta de S. Miguel.

A recuperação do priolo é uma das histórias de maior sucesso da conservação da natureza no país. A ave endémica de S. Miguel estava classificada como “Criticamente em Perigo” pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, em 2003, quando a SPEA avançou com o primeiro projecto de conservação da espécie. Na altura, estimava-se que não existissem mais de cem casais de priolos nos Açores, o que é o mesmo que dizer, em todo o mundo. Intrinsecamente ligado à floresta de Laurissilva, onde crescem as plantas de que se alimenta, o priolo tinha visto a sua população drasticamente reduzida graças à caça e à destruição do seu habitat.

Azucena Martín, uma das coordenadoras da SPEA Açores, diz que essas duas ameaças foram hoje substituídas por outra. “A caça acabou já há muito tempo e a desflorestação já não acontece. Hoje são as espécies invasoras que são a maior ameaça, e elas têm uma proliferação muito grande aqui, comparando com outros arquipélagos”, diz.

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O priolo vive na floresta de laurissilva, onde encontra o alimento de que necessita DR

Por isso, os vários projectos LIFE a que a SPEA se tem candidatado, desde 2003, prendem-se, sobretudo, com o restauro da floresta de Laurissilva e da remoção de invasoras como a conteira (Hedychium gardneranum), a cletra (Clethra arborea), o gigante (Gunnera tinctoria) ou o incenso (Pittosporum undulatum). Animais como o rato (Rattus sp.) e o murganho (Mus musculus) também são alvo deste organismo.

O trabalho é, contudo, lento e permanente. “Nos últimos anos a área foi muito invadida por árvores, plantas de maior porte, o que faz com que a recuperação do habitat seja muito lenta. Temos de plantar do zero, esperar que cresçam [as novas plantas] e que comecem a dar fruto [para atrair os priolos]”, diz Azucena Martín. Mas, a monitorização da espécie mostra que o trabalho tem sido bem-sucedido.

Perigo continua a rondar

Desde 2016 que o priolo deixou de estar classificado como “Criticamente em Perigo” para passar para o estado de “Vulnerável”. E os censos anuais feitos por técnicos da SPEA e os Atlas do Priolo, realizados de quatro em quatro anos, têm mostrado que os números estabilizaram.

O Atlas deste ano, o quarto do género, já deveria ter sido realizado em 2020, mas foi adiado sucessivamente por causa das restrições causadas pela pandemia da covid-19. O documento final deverá estar concluído até ao final do ano, mas a estimativa, após o trabalho de campo que é realizado por 50 voluntários durante uma única manhã, é de que terão sido detectados 1368 indivíduos – muitos não chegam a ser vistos, são apenas identificados pelo som.

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As espécies invasoras de grande porte são retiradas, para que o espaço seja replantado com espécies da floresta de laurissilva DR

Se olharmos para as estimativas populacionais dos Atlas anteriores – 1064 em 2008, 1025 em 2012 e 1167 em 2016 – parece registar-se um aumento de aves, mas Azucena Martín diz que é muito cedo para fazer uma avaliação desse género. “Para considerarmos que existe uma tendência de aumento temos de ter muitos mais anos de contagem e com números mais claros. O que temos por enquanto é anos em que os números estão um bocado para cima e outros em que estão um pouco para baixo. Consideramos que se tem mantido uma situação de estabilidade, a rondar os mil indivíduos”, diz.

O perigo continua, por isso, a rondar, e o trabalho não pode parar. Neste momento, a protecção do priolo está inserido no programa LIFE IP Azores Natura, coordenado pela Secretaria Regional de Ambiente e Alterações Climáticas do Governo dos Açores, mas com a SPEA a responsabilizar-se pelo que diz respeito à espécie. A manutenção do habitat é, para Azucena Martín, o maior desafio em curso. “A nossa preocupação tem sido a manutenção, porque é difícil conseguir apoios para as áreas já intervencionadas. Era importante garantirmos com mais regularidade apoios para a manutenção [do território do priolo], diz a responsável da SPEA.

Até porque, apesar de estabilidade alcançada pelo priolo ser “um bom sinal”, o estado de Vulnerável associado à espécie mantém-se e “não deve haver alteração”, afirma.