Em Famalicão, contesta-se abate de sobreiros para construção de central fotovoltaica

Associação ambiental e partidos dizem que o abate de perto de 300 sobreiros foi feito de forma pouco transparente. Autarquia defende-se com pareceres de entidades competentes.

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Foram abatidos quase 300 sobreiros nas freguesias de Outiz e Vilarinho das Cambas, no concelho de Famalicão Tiago Paiva/foto cedida pela Associação Famalicão em Transição

O abate de quase 300 sobreiros no monte de Santa Catarina, nas freguesias de Outiz e Vilarinho das Cambas, no concelho de Famalicão, está a gerar contestação de associações ambientais e de partidos políticos. O abate, ocorrido no final de Outubro passado, surgiu na sequência de um projecto que prevê, para 2023, a implantação de uma central fotovoltaica no local e para a qual já foi emitida, em sede de reunião de câmara e de assembleia municipal, uma declaração de relevante interesse público municipal.

A central fotovoltaica, que será construída na parte poente da cidade, prevê, em 79,8 hectares, a instalação de cerca de 107 mil painéis solares, com uma capacidade de produção de 48,9 megawatts. No passado sábado, membros da associação Famalicão em Transição deslocaram-se ao local, acompanhados por elementos das delegações de Braga de partidos como o PS, o Bloco de Esquerda, o PAN, o PCP e Os Verdes, para contestar a actuação da autarquia, liderada pela maioria da coligação PSD/CDS-PP, em relação a um processo que começou na reunião de câmara de 17 de Dezembro de 2020. Aí, na ordem de trabalhos, surgia pela primeira vez o nome da empresa Compatible Potential Lda, que solicitava, à autarquia, a declaração de reconhecimento de relevante interesse público municipal com vista à “implantação de um centro electroprodutor de energia solar e subestação elevadora”.

O ponto foi aprovado e, em Janeiro de 2021, já em sede de assembleia municipal, passa novamente. Em Julho deste ano, o Notícias de Famalicão noticiou o tema, mas nem na reunião de câmara nem na notícia é informado qual o local exacto para a instalação da central, não existindo, também, qualquer referência a abate de sobreiros. “Foi um processo opaco desde o início, houve falta de documentação pública. A celeridade deste projecto também é de estranhar, tendo em conta que estamos a falar de administração pública”, diz ao PÚBLICO Sandra Pimenta, porta-voz do PAN de Famalicão.

Pouco informados sobre o projecto, membros da associação Famalicão em Transição só se aperceberam do abate de árvores, que ocorreu no final de Outubro passado, quando se deslocaram ao local, no início de Novembro. “Todo o processo respeitou os trâmites do que é suposto, houve a aprovação da declaração de interesse público municipal, depois houve licenciamento do projecto, mas a verdade é que não houve debate público. E parece-nos que, pelo impacto da intervenção, teria sido muito importante”, lamenta Gil Pereira, da associação Famalicão em Transição.

Após o abate dos sobreiros, a associação questionou o município sobre a situação, apoiando-se no facto de o abate ter ocorrido numa área incluída em Reserva Ecológica Nacional (REN) e que abrange as cabeceiras de linha de água e uma área de risco de erosão. A associação quis saber, entre outras questões, se existiu um estudo de impacte ambiental (EIA) para o projecto em causa e se houve autorizações das entidades competentes.

Em resposta, a câmara escudou-se no decreto-lei n.º 72/2022, publicado apenas em Outubro deste ano, para referir que o projecto “segue as recomendações” das instituições europeias que simplificam procedimentos “no sentido de os adequar à simplicidade material das operações de instalação de centros electroprodutores de fontes de energia renovável e de produção de hidrogénio por electrólise da água”.

Ao PÚBLICO, a autarquia confirmou, em documentos enviados, os pareceres positivos da CCDR-N, ICNF – que autorizou o abate de 86 sobreiros adultos e 205 sobreiros jovens – e da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGRG). Sobre o estudo de impacte ambiental, a autarquia lembra não ser obrigatório pelo facto de a central ter 48,9 megawatts de capacidade prevista, abaixo do limite de 50, a partir do qual é obrigatório a realização de um estudo.

Apesar dos pareceres positivos, Gil Pereira garante que a associação vai fazer o que está ao seu alcance para os “trabalhos pararem”. Os elementos da associação lembram também que, em Valongo, a empresa Compatiblespirit Lda, cuja sede fiscal é a mesma da Compatible Potential Lda (ambas criadas a 17 de Abril de 2019), apresentou à autarquia um projecto de uma central fotovoltaica à autarquia, que rejeitou a hipótese. Em comunicado enviado ao PÚBLICO, a Câmara Municipal de Valongo (PS) justifica a opção por considerar que a central poderá “implicar a destruição de habitats que deveriam ser preservados e mesmo recuperados”.

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