Saúde: uma crise nunca desculpa que não se comece por um ‘bom dia!’

Hoje, o médico tem um computador na secretária e passa mais tempo a introduzir dados e informação, do que a olhar nos olhos do doente.

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"A pandemia terminou. Mas servir a pessoa com compaixão é o que continuará a fazer a diferença" Tiago Lopes/Arquivo

Quando era pequeno e ia com a minha mãe ao médico, lembro-me que não havia computador na sua secretária, mas ele estava ali connosco. É verdade que era visto como uma autoridade distante do doente, mas sentia-o presente. Hoje, o médico tem um computador na secretária e passa mais tempo a introduzir dados e informação, do que a olhar nos olhos do doente. É uma era de registar, guardar e partilhar, que se sobrepõe a viver ou a estar no momento e com os outros.

Não é de estranhar que esta síndrome da tecnologia tenha também chegado à medicina. A saúde não vive à parte desta evolução do homem, mas do ponto de vista de experiência humana fica aquém do esperado e desejado.

A diferença entre o ‘nós’ e o ‘nu’ no Serviço de Saúde

Todos sentimos que se não se trabalhar em equipa, numa urgência ou serviço hospitalar, a experiência do doente não é a mesma. Entre médicos, auxiliares e enfermeiros tem de existir uma filosofia tipo Ubuntu – eu sou porque nós somos. Por muito que um enfermeiro faça a sua parte e o auxiliar também, se o médico demora duas horas a atender o doente, a experiência nunca será positiva. O mesmo acontece quando o médico resolve com uma resposta imediata, mas a equipa de auxiliares ou enfermeiros atrasam a assistência ao doente. No final a avaliação não é dos médicos ou dos enfermeiros, mas do serviço em geral.

A comunicação entre pessoas é difícil. Mas, fica mais complicada quando, antes do lado humano, vem uma categoria profissional... É um estatuto que é inerente, aquilo que cada um faz. No livro que escrevi (Healthcare Marketing, Leya, 2016) chamamos a este pilar Humildade, ou seja, a capacidade de, tendo maior competência técnica e conhecimento teórico, conseguir comunicar de forma clara, simples e empática. Esta será provavelmente uma das grandes competências na área da saúde (a tecnologia fará, no futuro, 90% das outras competências técnicas).

Durante a pandemia as necessidades de desenvolver competências na área da gestão e da liderança de equipas aumentaram, porque foi necessário que as equipas estivessem com um grande foco operacional e motivadas para fazer o que têm de fazer. Quando os hospitais estavam sobrelotados, a mobilização de todos os profissionais estava orientada para aguentar — sobreviver — passando, inclusivamente, por médicos de oftalmologia a assistir doentes com problemas respiratórios. Era um contexto em que não interessava o título ou a especialidade, todos tinham um contributo importante a dar. Nestes cenários ficou mais difícil coordenar e organizar quando o que reinava era a vontade de ajudar e resolver.

Eram tempos em que existia um verdadeiro propósito. Na pandemia as equipas de saúde viviam orientadas para um objetivo comum: salvar vidas. A partir do momento que esta fase está ultrapassada, o cansaço dá sinais, a desmotivação aumenta e as categorias profissionais voltam a separar-se. As pessoas queixam-se umas das outras, das condições e das remunerações. Outras vão-se embora e procuram soluções profissionais alternativas.

Servir na saúde: um ciclo que inicia dentro das equipas

Os pacientes precisam de atenção pessoal, comunicação concreta e clara sobre sua saúde.

Para fornecer um excelente atendimento ao cliente, os prestadores de serviços de saúde devem, em primeiro lugar, ver os seus pacientes como seres humanos e servi-los com compaixão. Isso pode fazer uma tremenda diferença na forma como um doente vivencia o atendimento. Os profissionais de saúde que prestam um bom atendimento ao cliente estão conscientes, no dia-a-dia, que cada paciente é uma pessoa que vive com um conjunto único de circunstâncias. Não representa apenas uma caixa onde se coloca um visto. Algo difícil num mundo cheio de aplicações informáticas e seguros que exigem tanta burocracia e procedimentos.

Assim, voltamos sempre ao básico (ainda mais difícil nas grandes organizações): as lideranças dos hospitais e equipas médicas dizem bom dia às equipas e perguntam como as podem ajudar? Demonstram que todos são importantes? Que o seu desempenho técnico é importante, mas que este não está acima do bem-estar emocional e espiritual de cada um?

Sem uma boa liderança não teremos contextos que motivem os profissionais de saúde e os contagiem com energia positiva. E isso acabará por ter consequências na forma como as equipas de saúde se relacionam entre si e com os doentes.

A pandemia terminou. Mas servir a pessoa com compaixão é o que continuará a fazer a diferença.

A questão na saúde tem um único foco — o doente, o utente ou o paciente. Mas, não será mais importante a pessoa? O sorriso com que acolhemos o outro? Um ‘bom dia’?

Bom dia para si!


Os autores escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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