O futebol pouco interessou entre ingleses e iranianos

A Inglaterra venceu o Irão por 6-2, mas isso não é o que mais interessa, porque, antes da luta no relvado, houve luta social e civilizacional.

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Jogadores do Irão unidos antes do jogo EPA/Rolex dela Pena
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É difícil convencer alguém de que há algo mais importante do que o resultado num jogo de futebol – mais ainda se estivermos a falar de um Campeonato do Mundo, o pináculo do desporto mais praticado no planeta. Mas vamos tentar, deixando, ao contrário do que dizem os livros de jornalismo, as informações factuais do jogo para mais adiante.

No Inglaterra-Irão, os jogadores iranianos não cantaram o hino nacional, em protesto contra o tratamento dado às mulheres no país. No estádio Khalifa, onde se pôde jogar ao jogo das cadeiras, ouvimos que os adeptos se juntaram ao protesto e não cantaram – fizeram apenas barulho, bastante barulho. Houve lágrimas de algumas mulheres.

Se do lado iraniano houve luta pelo país, do inglês houve luta pelo mundo. A FIFA ameaçou castigar os jogadores que usassem braçadeiras arco-íris a favor da inclusão, pelo que Harry Kane, capitão inglês, levou uma a dizer “não à discriminação”. Mas os ingleses não se deram por vencidos.

Antes do jogo, no relvado, a ex-internacional inglesa Alex Scott, comentadora da BBC, usou a braçadeira que Kane iria usar caso a FIFA não tivesse feito a tal ameaça.

Os atletas ingleses prestaram-se ainda a um momento de protesto pela violação de direitos humanos no Qatar, quando se ajoelharam no relvado.

E antes que nos esqueçamos, também houve futebol. Foi menos importante, é certo, mas aconteceu. A Inglaterra venceu o Irão por 6-2, num jogo que chegou ao intervalo já praticamente selado com a derrota da equipa do português Carlos Queiroz.

Taremi marcou dois golos

Numa partida em que os jogadores ingleses ouviram God Save the King pela primeira vez em décadas de Mundiais de futebol, o início do jogo foi, sobretudo, de luta – a social, antes do apito, e a futebolística, depois do “priii” de Raphael Claus.

Os adeptos do Irão, em maioria em Doha, explodiam de entusiasmo de cada vez que a equipa, sobretudo à boleia de Taremi, se chegava à frente. O problema é que chegou pouco e o jogo era essencialmente de duelos físicos.

Até que houve uma lesão prolongada de Alireza, guarda-redes iraniano, que acabou mesmo por ser substituído após longos minutos de pausa. Essa paragem parece ter feito pior ao Irão, que regressou ao jogo menos intenso, além de ter dado para ver indicações de Gareth Southgate a partir do banco.

Esse “desconto de tempo” foi perfeito para o treinador inglês, que poderá, especulamos, ter indicado um plano diferente a partir daí. E a ideia era clara: retirar jogadores da linha de cinco montada por Queiroz.

E faziam-no por duas vias. Uma pressupunha levar os alas para a zona central e, em simultâneo, convidar os laterais iranianos a pressionarem o lateral inglês. Assim, havia possibilidade de arrastar o jogador de corredor iraniano e, depois de a bola ir para zonas interiores, voltar rapidamente à ala, para serem feitos cruzamentos com mais tempo e espaço.

A outra via era arrastar um dos centrais iranianos, sobretudo pelos apoios frontais de Kane, “arte” em que o inglês é dos melhores do mundo.

Aos 33’, os adeptos do Irão fizeram uma barulheira tremenda para desconcentrar o batedor de canto inglês, mas a brincadeira ia correndo mal: o canto não só foi bem batido como Maguire cabeceou à trave.

Dois minutos depois, o tal engodo de jogo exterior deu a Luke Shaw a possibilidade de cruzar para um cabeceamento de Jude Bellingham.

Houve explosão inglesa e a música que tocou no Khalifa foi Freed from Desire, canção que no Euro 2016 serviu de paródia a Will Grigg, avançado da Irlanda do Norte. Música italiana dos anos 1990, reutilizada em 2016 para a Irlanda do Norte e chamada para a festa inglesa em 2022.

Aos 43’, novamente um cruzamento a fazer estragos. Maguire voltou a ganhar no ar e amorteceu para o 2-0 rematado por Saka.

Aos 45+1’, mudou a via, desta vez para a tal de Kane. Apoio frontal do avançado, central iraniano arrastado da sua posição e Saka foi romper pelo corredor central. Na ala de onde Saka tinha saído, apareceu Kane, que cruzou para finalização de Sterling. Aqui foi dada uma autêntica aula de como desmontar uma defesa apenas com dinâmica posicional.

Freed from Desire ainda tocaria mais na segunda parte, com o golo de Saka aos 62’, o de Rashford aos 71’ e o de Grealish aos 90’, mas já pouco havia a tirar deste jogo.

Prova disso é que os problemas de Internet na tribuna de imprensa nos obrigaram a ir para o centro de media logo no início da segunda parte e encontrámo-nos com vários adeptos iranianos, com mais vontade de desfrutarem dos bares do estádio do que do futebol.

Ainda assim, se lá ficaram definitivamente, perderam a oportunidade de fazerem o que os adeptos do FC Porto fazem a toda a hora: celebrarem golos de Mehdi Taremi. Aos 66’, o avançado portista foi lançado numa diagonal curta e finalizou com categoria já na área britânica, e aos 90+13’ fechou o 6-2 de penálti.

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