Esta semana vão chover estrelas Michelin. E Portugal poderá ter uma surpresa

As especulações são muitas antes da gala do Guia Michelin Espanha e Portugal 2023. Chegará a terceira estrela para um restaurante português? Ou a primeira para um vegetariano? Esta terça se saberá.

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Será este ano que um vegetariano conquista uma estrela? Na foto, Encanto, de José Avillez dr

Prever que restaurantes vão receber estrelas na nova edição do Guia Michelin Espanha e Portugal, com gala marcada para dia 22 em Toledo, é, como todos os anos, um exercício de especulação, baseado em conversas de bastidores, numa mistura de adivinhação e desejos.

O facto é que a organização da Michelin mantém o segredo bem guardado e o único dado concreto são os convites feitos para a festa – e mesmo isso não é garantia de nada, dado que um convite a um chef que se pensa que possa receber a primeira estrela nem sempre se traduz nesse resultado.

Foi o que aconteceu no ano passado com Rodrigo Castelo, do Ó Balcão (Santarém), que recebeu um Bib Gourmand, mas não a estrela. Este ano perguntámos-lhe se tinha alguma expectativa, mas o chef recusou falar sobre estrelas Michelin e garantindo que não esperava nada.

Contudo, numa breve ronda por quem acompanha estas coisas de perto, houve uma informação que se repetiu algumas vezes: este ano haverá uma surpresa para Portugal. Ninguém sabe que surpresa será, mas muitos desejariam que pudesse ser a tão ambicionada terceira estrela para um restaurante português.

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Marlene (na foto com a sommelier Gabriela Marques) era um dos nomes falados para uma possível primeira estrela, mas a chef garante que não recebeu convite para a gala da Michelin Matilde Fieschi

Até agora, Portugal tem sete restaurantes com duas estrelas – Casa de Chá da Boa Nova, de Rui Paula; Alma, de Henrique Sá Pessoa; Belcanto, de José Avillez; Il Gallo d’Oro, de Benoit Sinthon; Ocean, de Hans Neuner; The Yeatman, de Ricardo Costa e Vila Joya, de Dieter Koschina. Há já algum tempo que se aguarda com ansiedade um três estrelas. Será desta?

“Há tanto tempo que se fala disso que um dia terá que ser”, diz Miguel Pires, do site Mesa Marcada, que organiza os prémios Mesa Marcada para os melhores chefs e melhores restaurantes de Portugal (que serão anunciados em Janeiro de 2023). “Poderia ser o Ocean, ou o Vila Joya, que foi o primeiro a ter duas estrelas, podia ser o Belcanto ou o Yeatman, mas, a acontecer, eu apostaria no Ocean ou no Belcanto.”

O jornalista gastronómico Ricardo Dias Felner, curador do congresso Melting, que acontece no Porto nos próximos dias 25 e 26, aponta os mesmos dois restaurantes, mas põe as fichas no Belcanto. “O Ocean fez um novo menu muito interessante e muito ousado, tem picante, especiarias, mas talvez ousado de mais para o que são os critérios da Michelin”, geralmente considerados mais conservadores.

Para tentar adivinhar quem poderia chegar às três estrelas, é preciso olhar para o serviço, explica. “Para as três estrelas, é preciso um serviço sem falhas. Vemos isso nos países do Norte da Europa, que estão muito treinados para serem um relógio suíço. E cá, o Belcanto tem mais essa bandeira.”

Mas também é possível que a grande surpresa não seja uma terceira estrela, mas que seja outra novidade também há muito aguardada: o anúncio de que Portugal passará a ter um guia separado do de Espanha. “Existe um movimento para termos um guia só nosso, há alguma pressão nesse sentido”, confirma Miguel Pires.

Isso não significaria, contudo, que passasse a haver um corpo de inspectores portugueses e uma avaliação distinta da que existe hoje. Até porque “há cada vez mais troca de inspectores entre os diferentes países”, os alemães podem vir à Península Ibérica e os espanhóis à Alemanha, por exemplo.

Miguel Pires aposta noutra eventual novidade que distinguiria Portugal de uma forma positiva: a atribuição de uma estrela pela primeira vez a um restaurante vegetariano. É algo que, diz, não existe ainda em Espanha, e que nos posicionaria numa tendência que vem ganhando cada vez mais visibilidade e atenção.

Os mais bem posicionados, na sua opinião, seriam o Arkhé, de João Ricardo Alves, e o Encanto, o vegetariano de José Avillez. Dado a forma atenta como a Michelin sempre acompanhou o trabalho de Avillez, este seria, talvez, a escolha mais provável.

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Terá chegado a hora das 3 estrelas para Avillez?

Ainda nas apostas para uma primeira estrela, um dos nomes mais falados tem sido o de Marlene Vieira. No entanto, a chef confirmou à Fugas que não recebeu convite para estar presente na gala este ano – e será natural que a estrela não surja ainda dado que o seu restaurante de autor, o Marlene, (Lisboa) só inaugurou em Abril, o que daria muito pouco tempo aos inspectores para atribuírem uma estrela.

Ricardo Felner fala também da hipótese de o Fifty Seconds (Lisboa), de Martin Berasategui, que tem à frente o chef português Filipe Carvalho, receber a segunda estrela. Por outro lado, lembra, para as primeiras estrelas, a Michelin gosta de nos surpreender com escolhas menos óbvias e mostrar que está atenta a outras regiões do país que não apenas as grandes cidades. Recorda a surpresa que foi, no ano passado, a estrela atribuída ao A Ver Tavira, no Algarve.

Miguel Pires concorda e sublinha que o guia ganhou um novo dinamismo, apostando agora muito mais no site, que vai sendo actualizado ao longo do ano, o que “torna mais visível o trabalho que os inspectores andam a fazer por cá”. Já não é preciso esperar pela edição em papel para saber as novidades e perceber que restaurantes causaram uma impressão positiva.

Mas o Guia Michelin não se resume às estrelas. Há os Bib Gourmand, que destacam restaurantes mais acessíveis e com boa relação qualidade/preço, e há as mais recentes estrelas verdes, que premiam os esforços feitos no sentido de tornar a restauração mais sustentável. Ricardo Felner não tem dúvidas de que, apesar de a tendência no mundo da restauração nos últimos tempos ter sido uma aposta nos bistrôs e espaços mais descontraídos e menos na alta cozinha, “Michelin continua a ser as estrelas”. Até porque – e Miguel Pires concorda – as estrelas verdes ainda não conquistaram a credibilidade necessária, sendo a avaliação feita apenas através de um questionário e de uma apreciação superficial por parte dos inspectores.

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"Não esqueçamos que estamos a falar de pessoas", diz Paulo Amado nelson garrido

Apesar de este continuar a ser, como dissemos no início, um exercício de especulação, o facto é que ele se repete todos os anos nas vésperas da gala. Paulo Amado, das Edições do Gosto, organizador do Congresso dos Cozinheiros, contactado pelas Fugas para fazer as suas apostas, prefere trazer para a discussão outro tema: a ansiedade que o anúncio das estrelas sempre provoca nesta época nos chefs, que, como é natural, querem também fazer parte do sistema de reconhecimento criado pela Michelin. E ansiedade é algo que os chefs não precisam de ter mais.

“Parece-me que o guia Michelin deve procurar um modelo de maior abertura e mais clareza para explicar aos chefs de cozinha e aos restauradores como se pode, afinal, ter a estrela, como se ganha, como se perde”, diz Paulo Amado. Questiona também que não saibamos se existem, ou não, inspectores portugueses. “Gostaríamos de saber, porque temos esse direito, tal como sabemos que existem espanhóis.”

Numa altura em que os cozinheiros já sofrem com muita pressão, com dificuldade de criar equipas estáveis devido à falta de mão-de-obra, “o guia, com ou sem consciência disso, contribui para a instabilidade emocional”. Tudo pela boa gastronomia, sim, “mas não esqueçamos que estamos a falar de pessoas”, conclui.

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